por Alon Feuerwerker

 Reforma virada pelo avesso

Os operadores da reforma política são como cirurgiões obcecados por operar. Mas falta convencer o paciente. Até porque os próprios médicos não se entendem. Uns dizem que é preciso abrir o tórax. Outros, o abdômen. Já outros preferem começar pelo crânio.

“Vamos operar”, berram os cirurgiões, sem que a família esteja informada das reais necessidades ou, muito menos, dos riscos. Sabe-se apenas que o paciente não vai bem.

Mas será que operar é mesmo a melhor saída? Para contornar a dúvida, bem razoável, os operadores valem-se da força da autoridade. “Nós somos do ramo, então sabemos o que será melhor para vocês.”

Tanto não sabem que cada um chuta para um lado diferente.

O PT deseja o sistema de lista fechada com financiamento exclusivamente público das campanhas, pois confia que a força da legenda e as raízes no poder oferecerão ao PT uma vantagem decisiva.

Já o PMDB quer o distrital no âmbito dos estados. Na teoria, seria bom para agrupamentos mais alicerçados em nomes do que na força da sigla.

Chegamos então ao núcleo.

Na reforma política, cada político ou agrupamento político defende uma modalidade que, acredita, dará a ele vantagem decisiva sobre os demais.

Como para a sociedade, e para a democracia, interessa exatamente o contrário, que nenhum grupo consiga a supremacia estratégica na preliminar, a prioridade estes dias é ficar de olho nos gatos que são vendidos embalados em pele de coelho.

O debate da reforma política começou virado do avesso. Qualquer sistema eleitoral pode ficar melhor ou pior. Pode funcionar ou não. Depende menos de si mesmo e mais do poder que a sociedade e os eleitores têm para interferir democraticamente nos partidos e no governo.

O voto distrital é ótimo em democracias avançadas, e é também uma beleza em ditaduras. O mesmo acontece com o voto em lista fechada, preordenada, que pode ser democrático ou ditatorial conforme a taxa de interferência obrigatória do público na vida interna dos partidos.

Para desvirar o debate, e conduzi-lo ao porto seguro, talvez fosse o caso de começar pela possibilidade de impor regras democráticas aos partidos.

Que tal o partido não poder lançar candidato onde só tem comissão provisória, ou não fez convenção democrática? Que tal as direções partidárias e as chapas eleitorais serem obrigatoriamente eleitas pelo voto direto dos filiados, em eleições organizadas pela Justiça Eleitoral? Que tal só permitir a dissolução de diretórios com o devido processo legal? Que tal proibir o partido de carregar com ele o tempo de rádio e televisão quando não lançar candidato próprio?

São ideias. Deve haver outras bem melhores. Uma boa ideia é calcular a proporção de cadeiras no Legislativo não a partir da votação da chapa de parlamentares, mas da votação do candidato a prefeito (para os vereadores), governador (para os deputados estaduais) e presidente, dentro do estado (para os deputados federais).

Quem quiser ter bancada, que lance candidato ao Executivo. Com essa medida simples, prefeitos, governadores e presidente seriam eleitos com a respectiva maioria parlamentar, ou bem perto de consegui-la. E a seleção natural dos partidos seria promovida pelo único método sabidamente democrático: o voto.

Ideias não faltam. Falta vontade para atacar o único problema real do sistema político brasileiro: o monopólio do poder dos — e nos — cartórios de caciques vitalícios, abastecidos com dinheiro público e dispensados de praticar democracia interna ou prestar contas ao eleitor-contribuinte.

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