por Hélio Passos

O Risco de Não Saber Calar

Ando com medo de falar ao telefone e gravarem tudo. "Há coisas que se não dizem", avisava Machado, deslocando o pronome. Só que eu digo. Se me ouvirem, coisas podem ocorrer. Imagina se eu falar o que sei. Juro que fiquei assim desde aquela fita do Magri, do tempo do Collor, que lhe custou R$ 30 mil e o Ministério do Trabalho. Homem bom. Levava seu cachorro em carro de luxo do governo para tomar banho. 

"Cachorro também é humano", argumentava. Estava mais para doido do que para varão forte. Doido manso, desses que ficam horas imaginando o nada. Como o escritor de ficção, um inventor de moda, que passa dia e noite bolando uma boa mentira pra botar no papel. O cuidado é com o telefone, todos grampeados por todos "com autorização da Justiça". Sim, há uma pequena margem para o improviso ou livre arbítrio. Mas, uma vez que você disse, está dito. Sai da boca e fica no gravador. Se duvidar, sai no "Jornal Nacional", dependendo do humor do William Bonner. 

É isso mesmo: o mundo é um vastíssimo estúdio, que tem acoplado um museu da imagem e do som. Ou um arquivo morto. Nada que se fala some no espaço. Nenhum intérprete conhece o momento do "exit". Há sempre o risco de um "exeunt", como numa peça do coleguinha Shakespeare. Saem todos de cena. O que a gente diz está no script, mas a direção aceita cacos. Dito por outro lado: tudo que falamos vai para esse armazém. 

Assim como a memória de um computador. Está tudo lá, inteirinho, sem uma vírgula a menos. Daí, o sucesso das CPIs, tecnicamente. Conseguem as fitas. Como desmentir o que está gravado? O que a gente diz e até o que a gente cala. E também o que a gente só pensa, sem sequer articular. Tudo se recolhe, sem tirar nem pôr. Discurso, cochicho, grito, acertos entre mafiosos, rapinagens de parlamentares etc. O que Napoleão pensou em Santa Helena e o que eu disse aos oito anos. Nada se perde. Um dia vai ser ouvido de fio a pavio. E todos perderão seus mandatos. Gravador é uma praga terrível. E não adianta sair da língua portuguesa para despistar. 

Tudo é traduzido na hora, simultaneamente. Não importa dizer que, com o tempo, as línguas aumentam e se alteram pelas necessidades dos usos e costumes. Ela não pode parar e desejar isso equivale a um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação não lhe insere riquezas novas. A esse respeito, a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade. E não adianta desnortear. 

O gravador pega tudo e pode liquidar os que falam demais e principalmente falar o não devido. Nós, felizmente, temos em nosso abençoado país três coisas de indizível valor: liberdade de falar, liberdade de consciência e a prudência de nunca praticar nem uma nem outra. Dizer o que não deve pelo telefone ou por outros meios de comunicação é irresponsabilidade. A palavra carece de trato especial, escrita ou falada. 

E sabemos que ela, no Brasil, nunca exerceu qualquer função na vida pública. O orador ou o escritor provocam exclamações admirativas ou explosão de cólera, simplesmente manifestações emocionais. O cérebro brasileiro refuga a reflexão. Paira no dorso liso das generalidades. Pode, nesse caso, ser gravado, porém não grava porque não compromete ninguém. E o bom está é na consequência demolidora da maldade absoluta.

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