Ao lado de São Paulo e Rio de Janeiro, o Ceará é um dos Estados de onde mais partem mensagens do golpe ´prêmio fácil´
Entra ano, sai ano, e um dos mais conhecidos golpes aplicados contra a sociedade parece não ter fim. São as falcatruas lançadas contra os cidadãos através de ligações telefônicas que partem de dentro das cadeias públicas, presídios e Casas de Custódia da Grande Fortaleza e do Interior. Ao lado de São Paulo e Rio de Janeiro, o Ceará lidera o ranking dos Estados onde os criminosos, mesmo presos, têm maior ´liberdade´ de agir contra pessoas incautas.
O golpe do ´prêmio fácil´ continua fazendo dezenas de vítimas todos os dias no Ceará. Os registros deste tipo de ocorrência policial, conforme as próprias autoridades do setor, podem não representar a realidade do quantitativo de tramas que acabam dando certo para os estelionatários e causando prejuízos para as vítimas.
Dinheiro
"Mandaram uma mensagem para o meu celular afirmando que eu tinha acabado de ganhar uma motocicleta e a quantia de três mil reais, por ser telespectadora de um programa numa emissora de TV local. Mas logo descobri que seria um golpe, já que não assisto ao tipo de programa mencionado na mensagem", declarou à Reportagem, na semana passada, uma estudante de Jornalismo.
O golpe é sempre o mesmo. De dentro da cadeia, os bandidos usam aparelhos celulares para aplicar o crime. O mais comum é o do ´prêmio fácil´. A vítima é informada, por meio de mensagem, de que acabou de ganhar um prêmio valioso (geralmente, automóveis, motocicletas, casas, viagens, computadores ou aparelhos eletrodomésticos). Mas, para poder recebê-los terá, em contrapartida, que comprar créditos telefônicos e enviá-los para números fornecidos pela ´empresa´ responsável pela promoção.
Outra ´opção´ é fazer a transferência de dinheiro para contas bancárias previamente fornecidas pelo ´organizadores´ da premiação.
Sem limites
A balela, que já é conhecida nacionalmente, continua fazendo vítimas, apesar da ampla divulgação de campanhas feitas pelas autoridades policiais pedindo que o cidadão se acautele diante do golpe.
Sem meios que impeçam as ligações telefônicas através de aparelhos celulares, os detentos ficam à vontade para continuar a fazer vítimas em todos os lugares. Nas constantes operações realizadas dentro dos presídios, a Secretariada Justiça e a Polícia Militar encontram, à cada varredura nas celas das cadeias, uma enorme quantidade de celulares que facilmente chegam às mãos dos presidiários.
"Todos os números de telefones que são utilizados para estes golpes, indistintamente, foram cadastrados em nome de terceiros, de boa fé".
A declaração do delegado Jaime Paula Pessoa Linhares, titular da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF), expressa o trabalho que a Polícia tem feito na investigação dessa modalidade criminosa e na identificação dos envolvidos. "Temos um procedimento instaurado, aqui na DDF, de um morador de Cascavel (a 56Km da Capital), que nunca saiu do Estado do Ceará, e tem mais de 200 chips cadastrados indevidamente em seu nome", conta.
Segundo o delegado, a vítima procurou a Delegacia de Defraudações e Falsificações com uma lista de alguns dos mais de 200 números de uma única operadora que foram cadastrados em seu nome.
"Numa operadora ele conseguiu saber que são mais de 200. Em outra, já existem quatro linhas pré-pagas cadastradas em seu nome. É um exemplo clássico do que as quadrilhas têm feito para obter números usados nos golpes", explica.
De acordo com Jaime Linhares, a maior demanda de queixas na DDF é de pessoas residentes em outros Estados que foram vítimas do ´golpe do prêmio´ através de uma chamada ou mensagem de texto que partiu do Ceará. "Ou o contrário, pessoas daqui do Estado que receberam ligações ou mensagens de números com prefixos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo".
O titular da DDF reputa isso à massificação deste tipo de crime. "E há mais uma questão. Em geral, as pessoas só procuram a Polícia quando efetivamente caem no golpe, depositam dinheiro numa conta fornecida pela quadrilha ou compram créditos para alimentar aqueles mesmos celulares utilizados no crime. Há muitos que não respondem à mensagem ou apagam, desconfiando do teor daquela informação", revela.
Dificuldades
Uma das grandes dificuldades encontradas pela Polícia Civil na investigação destes golpes, é, de acordo com Linhares, "a demanda judicial que existe na hora de se conseguir quebra de sigilo telefônico ou bancário. A velocidade com que os golpistas conseguem outro chip para continuar praticando o estelionato é bem maior que o tempo necessário para a concessão de uma quebra de sigilo".
"As quadrilhas pedem valores de 200 300 reais. Depois de perceber que a vítima está completamente convencida de que receberá o prêmio, começam a pedir mais dinheiro", explica.
FIQUE ATENTO
Criminosos variam modos de enganar
O golpe da premiação - usando indevidamente nomes de empresas de telecomunicação e de operadoras de telefonia - o sequestro virtual e o ´golpe do defeito mecânico´ são os tipos mais comuns de crimes praticados pelo telefone e que chegam ao conhecimento da Polícia.
No primeiro, a modalidade mais usada é a do envio de mensagens de texto. "Você ganhou um carro na promoção x. Entre em contato para receber o prêmio", é um modelo de mensagem comumente observado.
Depósito
A mais recente invenção dos golpistas é o telefonema para uma pessoa informando que um parente seu está com problemas mecânicos no carro e precisa de uma depósito de dinheiro urgente para ajudar a solucionar o problema.
"No aperreio para ajudar o parente, a pessoa nem pergunta detalhes, não questiona. Só quer ajudar", avalia o delegado Jaime Paula Pessoa Linhares, que já se deparou com vítimas deste crime nos registros da DDF cearense.
O delegado alerta. "É preciso esclarecer que não existe premiação por celular. Nenhuma empresa de telecomunicação trabalha desta maneira. E mais, se você é premiado com alguma coisa, não há sentido em ´retribuir´ o prêmio com um depósito ou com a compra de créditos para celular. Desconfie sempre", ensina.
Flagrante
Apesar das dificuldades para a identificação de envolvidos nestes golpes, uma prisão em flagrante aconteceu no ano passado. "Três homens que tinham saído do presídio se reuniram numa casa, pouco tempo depois, e continuaram aplicando os golpes pelo celular. Um vizinho percebeu o que estava ocorrendo e denunciou o caso à Polícia. Os três golpistas foram presos", lembra o delegado.
Segundo Jaime Linhares, a desarticulação de uma quadrilha também pode acontecer a partir da identificação e varredura e contas bancárias fornecidas para as vítimas depositarem dinheiro.
"Mesmo que a pessoa não faça o depósito porque achou que aquilo era um golpe, ela deve procurar a Polícia e prestar queixa, fornecendo os dados que lhe foram repassados. Assim pode-se iniciar uma investigação que, quem sabe, resultará na desarticulação de uma cadeia criminosa de golpistas. Este é o nosso objetivo".
A Polícia constata que os estelionatários usam sempre contas bancárias de ´laranjas´.
DESVIO
Aparelhos entram facilmente na cadeia
O Ministério Público Estadual já denunciou por diversas vezes a atuação dos criminosos dentro dos presídios cearenses. O promotor Francisco Marinho, da Comarca de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, tem acompanhado as investigações que apuram os delitos desta ordem que são praticados no interior da maior unidade carcerária do Estado, o Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS).
Apesar de estar passando por um processo de esvaziamento para sua posterior desativação definitiva, o ´velho´ IPPS ainda abriga centenas de detentos e a maioria cumpre muitos anos de cadeia por delitos graves como assassinato, roubo, tráfico de drogas e sequestro. Segundo as investigações, são detentos já ´experientes´ os responsáveis pelos golpes através de celulares.
Bloqueio
Prometidos pela Secretaria da Justiça (Sejus) desde a gestão do então governador Lúcio Alcântara, as torres para o bloqueio de sinal de celular nos presídios ainda não funcionam. Por conta disso, os detentos conseguem utilizar os aparelhos em larga escala, sem sofrer qualquer tipo de restrição.
Os aparelhos entram nas cadeias pelas mãos de visitas, ou por meio de agentes oficiais que se corrompem. Os telefones chegam às mãos dos detentos da mesma forma que drogas e até armas de fogo, como recentemente aconteceu durante o resgate de dez presos do Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II, em Itaitinga.
Já as linhas utilizadas são adquiridas também de forma fraudulenta, com a utilização de nomes de terceiros, conforme tem atestado a Polícia.
FERNANDO RIBEIRO/NATHÁLIA LOBO
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