NENÉM QUÉ PAPÁ

por Carlos Chagas

Grande celeuma criou-se no país a respeito da nova cartilha do Ministério da Educação, “Por uma Vida Melhor”. Foram distribuídos 400 mil exemplares pelas escolas, admitindo-se num de seus capítulos referências à forma ortográfica popular de dizer as coisas. Numa palavra, a admissão de expressões  usadas pela maioria da população, nada vernaculares, mas amplamente usadas e reconhecidas como naturais. Dessas que um dia estarão  incorporadas aos dicionários, ainda que hoje despertem  indignação em lingüistas e até  na Academia Brasileira de Letras, para não falar na totalidade da mídia, boa parte aproveitando o episódio  para lançar mais uma farpa no governo Dilma Rousseff  e no ministro Fernando Haddad.

É preciso cautela, não só porque no futuro esse linguajar do povo tornar-se-á regra ortográfica,   como vem acontecendo há séculos, mas também porque a indigitada cartilha foi editada precisamente para os meninos, nas escolas, tomarem conhecimento do que está de acordo ou não com o vernáculo.

Mesmo nas camadas mais elitistas, quanta coisa tida como distorção imperdoável foi adicionada à língua portuguesa aqui praticada? “Me dá um cigarro” é expressão comum entre os acadêmicos que fumam, quando o correto vindo dos tempos de antanho exige “dá-me um cigarro”, que ninguém usa mais.

O grave nessa discussão sobre o sexo dos anjos é sua exploração política. Há quem exija o recolhimento e  a incineração dos 400 mil livros, sugestão perigosa e ante-sala de certos  espetáculos encenados através dos tempos, o último deles na Alemanha Nazista.

A respeito dessa tempestade em copo d’água vale contar uma historinha. O presidente Ernesto  Geisel  visitava o Japão, levando em sua comitiva muitos ministros e jornalistas. No dia de seu retorno, alguns ainda permaneceram  em Tóquio. Shigueaki Uéki, das Minas e Energia,  aproveitou a folga para levar os  repórteres a um restaurante típico. Desde a chegada  gabava-se de falar japonês e decidiu que os pedidos do cardápio ficariam por conta dele. Ao aproximar-se o garçom, falou na língua de seus ancestrais, quando seguiu-se monumental série de gargalhadas por parte do serviçal e de seus companheiros. Espantaram-se todos até que  veio o maitre e, num excelente inglês, fez as sugestões e encomendou os pedidos. Uéki ficou sem jeito mas logo o episódio estava esquecido. Na saída, um dos nossos colegas, certamente investigativo, perguntou ao garçom o porque das gargalhadas e recebeu a explicação: os japoneses dispõem de diversos patamares em sua língua, falados pelas crianças, pelos jovens, os mais maduros e até os velhos. E o ministro das Minas e Energia, certamente restrito ao  primeiro grupo, havia falado, em tradução livre:
 “Neném qué papá”...

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