Um gênio. Ou uma pestinha
- Pai – choramingou Sofia ao telefone.
- Diga minha filha.
- Estou com vontade de desistir...
- Do quê? Do seu marido?
- Não, pai, de ser mãe. É muito duro...
- E você imaginava que seria fácil?
- Pai, eu vivo de fracasso em fracasso.
- Isso dá samba-canção, minha filha.
- O quê?
- Já deu. Esqueça. Adiante.
- Criei um monstro, pai...
- Como?
- Sabe da última de sua neta? Da última, não, da penúltima? Eu a repreendi, nem me lembro mais por quê. Fui para meu quarto. Depois de algum tempo ela veio atrás e disse: “Eu já pedi desculpas. Por que você tem de criar toda essa confusão?”
- Ela disse isso? Gênio!
- E sabe da última?
- Conte logo!
- Ontem à noite, antes de ela ir dormir, eu disse; "Luana, seu pai vai apresentar amanhã a monografia dele para poder se formar em administração. Você vai assistir comigo. Haverá uma porção de pessoas por lá. Teremos que fazer silêncio. Você não pode falar nada, entendeu?"
- E aí? - perguntei
- Ela respondeu que sim. Mas hoje, depois de estar pronta para sair, até de bota ela estava, chegou pra mim e disse: "Mãe, eu não vou. Não consigo ficar calada muito tempo". E não foi, pai, não foi!
- Minha neta é superdotada!
- Pai, se com três anos e pouco ela fala assim o que não falará quando tiver 10, 12?
- Quem manda você tratar Luana como se ela tivesse mais idade do que tem?
- Sabe o que ela fez na semana passada? Sabe? Pegou o controle remoto da televisão e bateu na cabeça de Felipe.
- E você, o que fez?
- Eu disse que bater com o controle dói, que Felipe tem menos de dois meses de vida, que não se deve bater em ninguém.
- Só? Não a pôs de castigo?
- Não. Não quero que ela fique com raiva de Felipe.
- Por que não bateu com o controle na cabeça dela?
- Pai!!!. Você está maluco?
- Brincadeira. Mas preste atenção: se Luana faz algo errado, você a adverte e ela volta a fazer, tem de ser castigada. Agora, você não pode aplicar nenhum castigo que não possa sustentar. Só na base da conversa não resolve. Ele não tem idade para entender tudo o que você diz.
- Sei disso – suspirou Sofia.
Ouvi quando em seguida ela gritou para Luana:
- Não morda seu irmão. Não morda. Luana! Estou falando com você.
E desligou sem se despedir.
Como já foi
por Ricardo Noblat