Duas vezes, como presidente da República, Itamar Franco veio jantar em minha casa, em Brasília, no tempo em que os presidentes da República vinham jantar para conversas informais com jornalistas da crônica política. Na primeira, ocupava interinamente a chefia da nação. Apesar de pela Constituição Fernando Collor ainda podia voltar, Itamar havia mudado todo o ministério.
Confrontado com a imagem do antecessor, que tentara implantar a modernidade na economia do país, disse só aceitar a modernidade que levasse a todos os cidadãos os benefícios da civilização e da cultura.
Aquela definição marcou sua passagem de dois anos e meio no governo, tornando-se uma espécie de anteparo aos ventos neoliberais do antecessor e do sucessor.
Na segunda vez, com a sucessão já definida em favor de Fernando Henrique, contou haver recebido o Lula em seu gabinete, no Planalto, servindo-lhe uma cachaça especial de Minas Gerais e dizendo que a garrafa ficaria ali à sua espera. Acrescentou que quanto mais velha ficasse a bebida, melhor. Era uma espécie de alento ao líder operário para aguardar com calma a passagem do sociólogo pelo poder, porque em seguida chegaria a sua hora.
Agora que Itamar se foi, multiplicam-se elegias e panegíricos em sua homenagem, na imprensa inteira. É o reconhecimento póstumo de seu valor, porque enquanto presidente recebeu petardos e pedradas da maior parte dos meios de comunicação.
Os paulistas chamavam-no de caipira e atrasado, por haver sugerido ao presidente da Volkswagen voltar a produzir o fusquinha, na verdade o único veículo que a classe média baixa podia adquirir.
Os cariocas zombavam dele por comportar-se como um homem comum, livre depois de desquitado, dado a uma ou outra eventual conquista.
Poucos, como Itamar, representaram o brasileiro médio, igual aos demais. Inflexível no trato da coisa pública e intolerante com a corrupção, não vacilou em afastar amigos e colaboradores acusados de irregularidades ou flagrados em incontinências verbais, como Eliseu Resende, Rubem Ricupero e Henrique Hargreaves.
Deixando a presidência da República, verificou não ter como sobreviver, sem patrimônio nem emprego.
Nomeado embaixador por Fernando Henrique e depois pelo Lula, nem por isso escondeu suas discordâncias com ambos.
No interregno elegeu-se governador de Minas, insurgindo-se contra a ameaça de privatização da CEMIG. Mobilizou a Polícia Militar para cercar e defender o palácio da Liberdade, levando para o além, agora, as informações de que dispunha sobre a iminência de um ataque federal a Minas.
Adversário da reeleição, negou-se a disputar um segundo mandato no governo mineiro, quando facilmente seria reeleito.
Pena que seu retorno ao Senado tenha durado menos de seis meses. Lá era sua casa, onde chegou com a onda de vitórias do MDB, em 1974, jovem prefeito de Juiz de Fora. Permaneceu por dois mandatos, como dizia, o período mais fértil de sua vida política.
por Carlos Chagas
Nenhum comentário:
Postar um comentário