Crônica


Aparentemente, tudo parece igual. Da minha janela posso ver o mar. Ora manso, ora agitado e as ondas, barradas pelo enorme quebra-mar do porto, nunca se afoitam, jamais se agigantam. As gaivotas, essas agora são poucas, diminuiu o bando que vem lá de cima, bem acima do equador. Talvez cansadas, desanimadas pelo clima que mudou, pelo que calor que ficou demais, vai saber a razão. As pessoas parecem as mesmas quando vão chegando de manhã cedo, com medo da monotonia de suas vidinhas, para cuidar da saúde ou para não se sentirem sozinhas, embora estejam, cercadas de falta de um simples bom-dia sem compromisso. Algumas envelheceram, como eu. Outras, pensam que serão jovens para sempre, mas nem se deram conta de que se pode contar as rugas que o tempo lhes deu. Suas conversas se misturam, seus comentários, suas manhas e artimanhas. Aparentemente, tudo parece igual. Por detrás das milhares de janelas de frente para o mar, uma história, uma confissão, um segredo, um silêncio pesado, uma ausência, uma tristeza, uma traição! Aparentemente, está tudo igual dentro da mesma paisagem. Os flanelinhas continuam enchendo o saco, arvorados de donos da rua e nós, por outro lado, acostumados a esses pequenos delitos, como se já não bastassem os impostos, as greves, as ameaças de falência do mundo, a agonia dos Estados Unidos, a queda das bolsas, as notícias ruins dos primeiros noticiários. Aparentemente, está tudo igual. Alguns morreram, mas em compensação outros nasceram e ainda nem sabem que logo se iludirão com um futuro incerto. Ainda não sabem que certeza é só esse aqui, esse agora. No máximo, um daqui a pouco, que também pode vir com alguma surpresa. Aparentemente está tudo igual. O dia nasce, o sol se põe, faz calor, depois faz frio, depois entardece, o menino chora, meu vizinho fuma a sua maconha barata e a fumaça entre pela minha janela, mas tudo é muito permitido. Mesmo que alguns se ausentem, que atravessem o oceano, que vão para o outro lado do mundo, sempre volta. Aqui é o seu lugar e volta tudo a se parecer exatamente igual. As notícias já não são novidades. Elas voam. E voam rápido, principalmente as ruins. Os fuxicos já não são tão fuxicos assim. Todo mundo sabe de tudo. A rádio peão é rápida, mas às vezes se engana sem se decepcionar. Os "ouvi dizer" ou "estão falando" é muito igual. Depois, é como uma brisa. E passa, deixa de ser importante. A Beira-Mar é uma enorme rádio peão, AM e FM, tudo aparentemente igual, comum, sem muita graça, a não ser a mocinha caminhando contra o sol, como se viesse na minha direção, com seus contornos bem definidos, sua trança de contornos dourados e toda a fartura jovem da sua segurança de estar abafando. Mas não é para mim que ela está vindo. Quando ela passa leva seu cheiro de colônia que impregna tudo aquilo que só pode ficar, e por algum tempo, no imaginário de quem admira a beleza passageira de quem pensa que é eterno. Aparentemente, tudo parece igual. Posso entrar, fechar as cortinas, escutar uma música qualquer, ler um livro, sentar-me diante de um teclado e enxergar o mundo numa tela de computador. Quando eu me levantar outra vez e me debruçar na janela, tudo vai estar aparentemente igual, como sempre, só que diferente, porque assim como o homem que entra no rio e quando sai nem o rio será o mesmo nem o homem será igual. Quando alguém se debruça numa janela e depois a fecha, quando a abra outra vez, nenhum dos dois será igual...

A. Capibaribe Neto

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