São Paulo e a elite Off-shore

É com prazer que o Blog do Briguilino publica artigo de Mauro de Santayana fisgado do JB Online
Faz parte da história política de São Paulo a aparente indecisão de muitos de seus líderes. O Sr. Jânio Quadros, que tinha dias de Hamlet e dias de MacBeth, subordinava suas decisões a dois pontos geográficos da cidade: Vila Maria e Sapopemba. Vila Maria é a região de classe média emergente, e, Sapopemba, área mais pobre. Ele costumava consultar os dois eleitorados. De Vila Maria vinha a esperança da vitória, uma vez que, desde sua eleição para vereador, contara com o apoio de seus eleitores. Sapopemba era o teste de popularidade. Antes de candidatar-se a esse ou àquele cargo, aferia, nos comícios, o apoio de seus moradores.

O ex-governador José Serra não chega à forte tragédia do escocês MacBeth, mas se aproxima, em seu ser e não ser, do príncipe da Dinamarca. Não que Hamlet disputasse uma eleição, a não ser a do destino, e que a sua dúvida fosse muito além de sua própria tragédia, ainda que nela amarrada. Mas se Jânio e Serra estão muito distantes da essência do caráter que Shakespeare dá aos dois personagens, e que ele pintara como antípodas morais, os dois paulistas começam a se assemelhar. Jânio adorava que fossem bater à sua porta, apelar para a sua taumaturgia populista. Serra, ao desconfiar de que não o procurariam, como a bóia salva-vidas na tempestade (mesmo porque os ventos políticos sopram brandos, por enquanto), resolveu aceitar, de bom grado, os ralos apelos que lhe chegam.

Os paulistas começam a dar à eleição para a Prefeitura de São Paulo importância maior do que ela realmente tem, e os comentaristas políticos, próximos dos tucanos bandeirantes, avançam sobre a lógica, dizendo que ela terá efeitos nacionais. Não há dúvida de que a cidade é a mais importante do país, no que se refere à economia e à cultura, de maneira geral, mas está distante da realidade política e social do Brasil como um todo. Os paulistanos atuam como se fossem o sol, em torno do qual os planetas menores orbitam, e, de cuja luz, dependem.

Na noite de sábado para domingo, em uma cidade satélite (das mais pobres) de Brasília, Santa Maria, alguns rapazes atearam fogo a moradores de rua. Um deles morreu e o outro se encontra seriamente ferido, com poucas possibilidades de sobrevivência. Há dois fatos, relacionados com essa tragédia, que devem ser ponderados. Até há algum tempo, os pobres costumavam ser solidários entre eles. Agora, no entanto, submetem-se à cultura, made in USA, da intolerância, da violência pela violência, da discriminação e do desprezo pela vida. Talvez – e as investigações continuavam – os incendiários de fim de semana sejam dos “emergentes” das cidades-satélites, filhos de pais bem empregados, moradores em casas confortáveis. E, talvez, não – o que será pior.

O outro ponto de reflexão é o da impunidade. Há quase quinze anos, cinco rapazes, filhos de famílias da elite de Brasília, atearam fogo ao índio Galdino, dirigente da etnia pataxó da Bahia, que dormia em um ponto de ônibus. Presos, graças ao testemunho de um rapaz da mesma idade, que passava de carro pelo local, os culpados foram defendidos com veemência. Seus pais, e os advogados que contrataram, tentaram desqualificar o crime – tratara-se, segundo a desculpa, de uma brincadeira que dera errado. Não tinham a intenção de matar, só a de assustar com o fogo. Foram presos e julgados. Condenados, em 2001, a 14 anos de prisão, menos um deles, que era adolescente, não passaram mais de 4 anos na prisão – onde gozaram de todas as regalias, entre elas a de sair para estudar e trabalhar, quando aproveitavam o tempo para beber e namorar, chegando frequentemente muito depois da hora de recolher.

As denúncias de que estavam sendo privilegiados de nada adiantaram. Eles eram enteados e filhos de juízes. Como sabemos, todos somos iguais diante da lei, embora alguns sejam muito mais iguais.

É nesse país, em que as leis são meras declarações de intenção, e apenas 3% dos responsáveis pelos crimes de homicídio são julgados e cumprem penas, que temos de pensar. Não entendem os legisladores e administradores públicos que a impunidade dos poderosos estimula a criminalidade geral. Assim, enganam-se os tucanos da maior cidade brasileira. São Paulo, com toda sua opulência (mesmo com a maior população de moradores de rua de todo o país) não é a estrela em torno da qual circula o sistema planetário nacional. Mesmo porque as elites de São Paulo, salvo poucas exceções, exercem uma cidadania off-shore, desligada do destino do país.

O nosso futuro está sendo construído em todo o território nacional, pela inteligência, pelo esforço e pelo patriotismo de seus trabalhadores, incluídos os de São Paulo – e não pelos senhores da Febraban e das corporações multinacionais,  empenhadas em novo e cômodo colonialismo.

3 comentários:

  1. Caro
    José Eduardo Victor
    Muito bem lembrado e para ser totalmente fiel à história, creio que não deveria situar a história somente a partir de 28 de fevereiro, há exatos 18 anos como o acontecimento mais importante para nós brasileiros. Deveria voltar mais no tempo com alguma coisa do tipo: Graças às inúmeras cartas de intenção do Sr. Delfim Neto, no período militar, o Brasil pode contar com recursos para modernizar e implementar a sua infra-estrutura, principalmente no que se refere à energia, siderurgia e telecomunicações; Graças à infra-estrutura existente, o Governo Collor pode promover a abertura econômica da indústria automobilística, garantindo condições adequadas de competitividade aos produtos brasileiros; Graças às iniciativas do Governo Collor, com a abertura da economia, com a extinção de cartórios como IBC, CNP, IAA, etc, com a extinção de controles sobre as empresas, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, foi possível ao Governo de Itamar Franco e de FHC promoverem a estabilização econômica e colocar o Brasil no rumo do crescimento constante e sustentado; Graças às ações do Governo FHC, principalmente com o Plano Real e com a reestruturação do setor financeiro, com a criação do Proer e com a implantação do Sistema Brasileiro de Pagamentos, foi possível ao Governo Lula sedimentar os fundamentos básicos da economia e possibilitar os níveis de inclusão social verificados atualmente. Do Governo Sarnei não consigo lembrar de nada relevante, no sentido positivo, mas apenas no sentido negativo: foi o maior exemplo de fisiologismo político que conheci na história deste país.
    Além do mais, em 2002 FHC teve a grande oportunidade de fazer o seu sucessor, no mínimo enfatizando as conquistas no setor de saúde como a quebra das patentes dos remédios e a criação dos genéricos. Mas, ao invés disso, praticamente não se engajou na campanha de José Serra, tal como ocorreu em 2006 e 2010. Infelizmente a tchurma do FHC, que teoricamente incorporava as principais expressões de cidadania e ética, também sucumbiu às vaidades, ambições e aos interesses de facções internas.
    grande abraço
    Plínio Sgarbi

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  2. Se é para dar Graças...vou agradecer Pedro Alvares Cabral

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    1. Se é para dar graças você deve dar graças a Deus que te dotou com inteligência para saber reconhecer os erros e acertos não só seus como dos demais.

      Se é para dar Graças, dê graças a Deus por viver em um Brasil onde ainda temos liberdade de expressão e de opinião.

      Se é para dar Graças, dê graças a Deus que há opiniões discordantes, pois só assim poderemos nos desenvolver intelectualmete.

      Se é para dar Graças, dê graças a Deus proque o Brasil não começou em 2003, muitos brasileiros no passado se sacrificaram para que você pudesse ter o conforto que tem hoje.

      Se é para dar Graças, dê graças a Deus por todos estes que trabalham honestamente, sem roubar, ganhando o seu salário diáriamente e lutando pela democracia para que você possa espressar livremente suas opiniões

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