Filho de juiz, Helvécio Ratton passou a infância perambulando com o pai por fazendas produtoras de queijo minas artesanal. Anos atrás, quando o queijo do Serro foi registrado como Patrimônio Cultural de Minas Gerais, o cineasta reavivou suas memórias, foi “atrás da tradição” e esbarrou “numa contradição”, a das restrições e proibições impostas ao mais famoso produto do Estado.
“Não sabia, estava acostumado desde que nasci a ver nosso queijo sendo vendido livremente em Minas. Nunca me ative ao fato de haver uma legislação que não permitia seu consumo fora do Estado”, diz Ratton, em entrevista aoPaladar, para falar do documentário O Mineiro e o Queijo, que estreia dia 30 nos cinemas de São Paulo, Rio, BH e Brasília.
Feito com leite cru e pingo – o soro drenado da produção do dia anterior (um fermento natural com bactérias lácticas que dão sabor e textura únicas a ele) -, o queijo minas artesanal é produzido em quatro microrregiões demarcadas pela Emater-MG (Canastra, Serro, Araxá e Alto Paranaíba). Legalmente, pode ser vendido apenas no Estado, porque uma lei federal de 1952 determina que só aqueles maturados por 60 dias em entreposto sifado (com selo do Serviço de Inspeção Federal, SIF) podem deixar Minas.
“É um absurdo enorme, nonsense, com um produto feito há quase 300 anos, sempre sem intervenção do Estado. Não há registro na história de alguém que tenha passado mal ou morrido por causa do queijo”, diz o cineasta. “A lei de 52 é embasada na legislação dos EUA, país que tem bactérias diferentes das nossas e clima distinto – aqui a maturação é muito mais rápida. É o imperialismo higienista. Dizem que, se não for dessa forma, faz mal à saúde e vão implantando isso no mundo inteiro. Sem falar no lobby da indústria de laticínios.”
O Mineiro e o Queijo, que teve trechos exibidos na edição do ano passado do Paladar – Cozinha do Brasil, mostra como uma tradição herdada dos colonizadores portugueses e passada de pai para filho corre o risco de desaparecer pelo recrudescimento de leis que beneficiam o minas padrão, produzido com leite pasteurizado em escala industrial e vendido a preços maiores, ainda que seu sabor e aroma sejam inferiores.
O documentário, que teve a colaboração do jornalista Rusty Marcelini no roteiro, mostra produtores como seu Antônio, que parou de fazer queijo, mesmo depois de ter gastado para adequar sua produção às exigências do governo estadual. Hoje, ele vende o leite a um laticínio, o que se tornou mais rentável e menos trabalhoso.
“O queijo francês, feito nas mesmas condições (com leite cru), pode ser vendido em São Paulo”, diz o produtor João Carlos Leite. O minas artesanal? Não. Por aqui se encontram só os que chegam ilegalmente, aos montes, transportados quase sempre em péssimas condições.
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