O lugar onde tudo acaba


As liberdades aparentemente simples a que me permiti às escondidas, de repente, me abalaram significativamente sob as luzes de todas as mentiras expostas no palco do espetáculo a que chamamos de vida! E foi entre as quatro paredes, testemunhas cúmplices de tantos momentos apaixonados, mas entremeados de omissões, descasos e agressões, que em silêncio escutei tristezas e vi os dedos finos e frágeis das razões, que um dia choraram resignadas e pediram socorro, se agigantarem nas mais pesadas acusações dos muitos erros que cometi ao longo de uma existência significativa, onde esperanças e sonhos acalentados foram ignorados. Nesse instante, os murmúrios interiores da consciência que apontam para a gravidade do pecado maior agora gritam no meio da noite, privando-me da paz de um sono sereno e castigam-me com os pesadelos terríveis da consciência de todas essas culpas de cores vivas e agressivamente brilhantes. Descobri que as paredes do lugar que existia aqui dentro de mim, onde sempre guardei os segredos dessas culpas pesadas que me perseguiam eram frágeis e ruíram de madrugada, deixando à mostra os altares pagãos onde participei de muitos rituais machistas. Vi a realidade nua e crua de muitas razões agigantar-se no horizonte como um vendaval que se aproxima depressa. Os sussurros da chuva forte se transformaram no som dos gritos de trovões apavorantes que se seguiam às luzes de raios a desenhar fantasmas de luzes assustadoras no céu que escurecia rápido.

Aquiescente, sem mais desculpas diante das sentenças e das penas impostas pelo tribunal que se ergueu no lugar dos templos das festas passageiras, restou curvar-me humilde e ver espalhados pelo chão os cacos da arrogância tola vencida. Já devia ter imaginado as consequências que podem tardar, mas sempre chegam. Bem antes, no meio de muitas madrugadas, tentei me confessar na tentativa vã de ser perdoado pelas mesmas estrelas que já não sabia mais contar. Seus piscares agora me pareciam respostas severas ante os pecados graves. Os órfãos de fé, confinados nas crenças banalizadas, são ignorados pelos céus nos quais nunca acreditaram. De nada adianta chorar, crispar as mãos com blasfêmias sem valor ante a superioridade das grandezas inimagináveis. Da mesma janela que me socorria nas noites insones, onde costumava enxergar estrelas confidentes, fui dedilhar meu rosário de culpas; aceitar o castigo imposto pelas lembranças que agora choram saudades sem jeito, genuflexo ante o templo funéreo da solidão que existe quando se chega ao fim do caminho, onde tudo acaba... 
A. CAPIBARIBE NETO - capi@globo.com

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