Diogo Costa: Conjuntura, golpe e correlação de forças


O PT, em que pese as vitórias de 2002, 2006 e 2010, não conquistou o poder. Conquistou uma fração do poder. Existem vários pilares de sustentação que conformam o poder. A saber, o poder executivo, o legislativo, o judiciário, a mídia, as forças armadas, ministério público e as entidades de classe. Isso para não falar do poder que emana dos países centrais e que influencia decisivamente nos países ditos "periféricos".
Quanto ao executivo, o PT não tem o poder absoluto, visto que lidera uma coalizão de partidos cujo espectro ideológico vai da esquerda até a centro-direita. No legislativo, o PT tem um fração pequeníssima de controle da câmara dos deputados (16% dos deputados) e do senado (14% dos senadores). No judiciário, existe uma força gigantesca que é absolutamente refratária ao PT, impossível medi-la com precisão, mas não seria de todo absurdo dizer que é talvez o poder mais refratário ao PT. Na mídia hegemônica (controlada por meia dúzia de famílias), o PT é tratado como um câncer a ser extirpado, mantém influência sobre uma fração bastante considerável dos trabalhadores que batem o cartão nesses órgãos midiáticos, mas, sobre os patrões, não tem influência alguma. Isso somente será resolvido com a democratização dos meios, oriunda da derrocada legislativa do arcabouço jurídico atual, montado na ditadura e que teima em resistir ao avanço do processo democrático.

Nas forças armadas, a ojeriza ao PT já foi muito, mas muito maior do que é hoje. Enganam-se os que pensam as forças armadas como um bloco único onde inexistem diferenças ideológicas. Nas forças armadas exite uma divisão muito consistente entre os 'legalistas' e a linha dura. Essa divisão não é de hoje, como diria Leonel Brizola, essa divisão "vem de longe". É possível afirmar com absoluta tranquilidade que os 'legalistas', que foram esmagados sem dó nem piedade pela linha dura em 64 estão muito mais articulados, embora ainda não sejam a maior força. Nunca é demais lembrar que mais de 1.500 militares foram expulsos, reformados, presos e torturados por se oporem ao golpe de 64. Inclusive heróis da II Guerra Mundial que se opunham ao golpe foram esmagados sem a menor cerimônia. A força que ainda permanece 100% refratária ao PT e aos 'legalistas' hoje se concentra nos militares de pijama. Estes tem muita força ideológica sobre os quadros da ativa (já tiveram bem mais), mas, estão de pijama...
Quanto ao Ministério Público, esse é um órgão onde o PT dispões de muito apoio na base, mas quanto mais se sobe na hierarquia de comando, mais aumenta a rejeição e o ódio contra o partido. É um setor muito importante para a estabilidade do sistema, mas o PT resolver apostar no "republicanismo" ao invés da estabilidade. De toda sorte, não acredito que represente um problema maior no médio e longo prazos pois a chance de ouro que tiveram os conservadores do Ministério Público foi criminalizar e varrer da face da Terra Lula e o PT com base no "mensalão". Não conseguiram e não vislumbro no horizonte outra crise política da monta desta que estourou em 2005. Essa crise de 2005 já é histórica, está inserida no registro historiográfico brasileiro como um dos momentos mais agudos do período republicano. Crises agudas que beiram a ruptura, como essa de 2005, não acontecem todo o santo dia, como Andre já demonstrou através do registro que fez de outros momentos históricos. O PT sobreviveu ao massacre, as placas tectônicas da política nacional se ajustaram e o poder de promover crises do Ministério Público cairá consideravelmente daqui para a frente.
Quanto às entidades de classe, o PT detém a simpatia episódica e ocasional em muitas entidades da classe patronal. Mas aí não custa lembrar que quando se agudizam as lutas políticas, essas entidades se socorrem de seu papel histórico na luta de classes. Persiste o apoio majoritário no movimento sindical, estudantil, nos movimentos populares, dos sem mídia, dos sem terra, dos sem teto, etc. Quanto aos países centrais, o poder desestabilizador destes num país como o Brasil já foi muito maior. Finda a Guerra Fria e com a ascensão econômica e política do Brasil neste começo de século XXI, essa nefasta influência desestabilizadora está muito mitigada. A criação da UNASUL e do Conselho de Defesa Sulamericano ajudam o Brasil a aumentar sua soberania em face das investidas dos países centrais. O fortalecimento e ampliação do Mercosul também reforçam o poder do Brasil.
Enfim, o PT é um partido contra-hegemônico. O PT busca a hegemonia, não apenas a eleitoral, mas a do poder de fato. Está muitissíssimo longe disso, tem apenas frações de poder, mas conserva o apoio popular, que se manterá inabalável enquanto a economia se mantiver estável. A classe dominante do Brasil não exitará um segundo sequer em intentar contra a democracia se o PT aumentar muito sua fração no poder de fato existente. O PT sabe disso e luta, avalia o terreno minado e cresce em apoio popular e institucional. A crise de 2008, tal qual a de 1929, aumenta o campo de atuação do Brasil para modificar a sua inserção na divisão internacional do trabalho. O PT foi contra a hegemonia neoliberal e agora que a mesma foi golpeada de morte pela crise de 2008, o PT está no rumo certo e o PSDB, que sempre foi um ferrenho defensor da ordem neoliberal está preso ao passado ideológico que defendeu e defende com ferrenho vigor. O problema do PSDB é que o mundo mudou, mas eles continuam presos ao status quo anterior, que é repudiado pelas populações do mundo inteiro, mesmo nos países centrais. O PT, com Lula a frente, representa uma mudança paradigmática na história do Brasil, tal qual foi a Revolução de 30. A mudança na correlação de forças entre desenvolvimentistas e neoliberais empreendida pelo PT apenas começou e durará muitos e muitos anos, talvez décadas. Não fosse o golpe de 64, o varguismo teria persistido por muito e muito mais tempo.
Olho vivo pois golpistas sempre existirão e estarão a espreita para tomar de assalto o poder. Mas a roda da história se move independentemente da vontade dos homens. Assim como a Revolução de 30 obteve grande parte de seu êxito devido a crise de 29, o PT obtém grande parte de seu êxito da resistência que empreendeu ao modelo hegemônico mundial que vigorou até 2008. Resumindo, o PT está do lado certo da história. E isso o fortalece e abre caminho para muitas vitórias que ainda virão capitaneadas por este partido. Mais do que isso, enganam-se também os que acham que o PT acabará com a morte ou incapacidade de Lula... Ledo engano! O PTB só fez crescer e aumentar a sua força política após a morte de Getúlio Vargas. Com o PT o processo certamente será o mesmo, e isso por uma imposição histórica. O PT é necessário para civilizar e democratizar o Brasil, é necessário para distribuir renda e para operar as mudanças que a social-democracia fez na Europa do pós II Guerra Mundial. Isso independe da vontade de uns e outros e é daí que o PT retira sua força. O PT é vocacionado para a disputa política, é vocacionado para a luta pelo poder e é um partido contra-hegemônico. Quem tem o poder de fato é a burguesia, que é a classe dominante (ela exerce esse poder através das instituições diversas que ela mesma criou...). O PT busca avançar sobre essa hegemonia da classe dominante e seu papel histórico está longe de ter se esgotado. Com Lula ou sem Lula, o PT seguirá avançando ainda por muito tempo.

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