por Igor Grabois, especial para o Viomundo
Como, em tão pouco tempo, a direita brasileira conseguiu capturar uma onda de manifestações de massa, com causas justas e origem na esquerda? Por que tanta demonstração de insatisfação, mesmo em um período de bonança econômica? E, mais, por que essa concentração de ataques ao governo Dilma? Nem Lula viveu uma onda de ataques tão intensa no período do mensalão.
A ascensão do PT ao governo federal não alterou o bloco de classes que detém o poder do Estado no Brasil. Ao contrário, alguns setores, como o agronegócio se fortaleceram. As grandes empresas nos dois mandatos de Lula nunca lucraram tanto. Os dois maiores bancos lucram, sistematicamente, cerca de um bilhão de reais por mês. Houve crescimento do emprego e da massa salarial. Há motivos de satisfação tanto para a burguesia quanto para os trabalhadores.
Mas como no capitalismo não há equação de ganha-ganha, alguém perde com as mudanças na economia. Lula legou para a sua sucessora uma política monetária restritiva – a maior taxa de juros real do mundo – e uma taxa de câmbio insustentável. Não mexeu nos contratos das empresas privatizadas herdados de FHC. O crescimento da economia, cujos motivos e causas não cabem nesse espaço, conseguiu adiar a necessidade de solução dessas contradições.
A economia crescia e passou relativamente bem à crise internacional. O crédito cresceu a despeito dos juros altos. Reservas internacionais foram acumuladas em sucessivos superávits comerciais. E houve uma generalizada sensação de elevação dos padrões de vida.
Reduzir a Selic
e deixar o real depreciar são medidas necessárias para o funcionamento do capitalismo no Brasil. Era inescapável para o governo Dilma. Não são medidas ideológicas, em que pese a cortina de fumaça que cerca esses temas. A taxa Selic, que é a taxa básica de juros da economia, vem descendo desde o ano passado. Com isso, a dívida pública diminuiu em termos de proporção do PIB. O governo reconheceu a manipulação cambial como saída da crise por parte das economias centrais. O dólar saiu de R$ 1,60 em meados de 2012 para R$ 2,15 neste momento.
Dilma atendeu uma reivindicação dos industriais, a redução da tarifa da energia elétrica. O governo pactuou os novos contratos sem a conta de amortização de investimentos já amortizados antes das privatizações. A apropriação de uma parte da renda nacional por acionistas das empresas elétricas diminuiu brutalmente.
A redução dos juros e a subida do dólar atingiram diretamente quem se beneficiava da arbitragem de juros e câmbio, ou seja, pegar dinheiro barato fora do país e ganhar dinheiro caro aqui dentro. Atingiu especuladores nacionais e internacionais. A estrela da bolsa brasileira, o setor elétrico, viu seus ganhos se reduzirem brutalmente. A subida do câmbio pega quem está endividado em dólar, fugindo dos juros do sistema financeiro brasileiro.
As camadas médias tradicionais, não a classe C da mídia, têm no Brasil um traço rentista. Vários têm suas economias vinculadas à Selic. A classe média tradicional se sente ameaçada pelas cotas nas universidades e não utiliza da saúde, educação e transporte públicos. Põe os filhos na escola particular – com mensalidades proibitivas – paga plano de saúde e anda de carro. Tem ojeriza do serviço público e o discurso anti-imposto cai como uma luva nas suas aspirações.
Portanto, a pequena-burguesia serve como base social para setores da esfera financeira que perderam com a redução da Selic, subida do câmbio e redução das tarifas de energia. É a base social ideal para o fascismo.
Não é coincidência o recrudescimento dos ataques à Dilma a partir de dezembro, quando houve o anúncio da redução da tarifa. De repente a economia estava um caos, com inflação galopante etc. Os ataques começaram no noticiário econômico, que uníssono pedia elevação da taxa de juros. Esses ataques se estenderam à imprensa internacional. Nesse quesito, o Banco Central piscou, aumentando em 0,75% a taxa Selic.
O governo tem uma política de impulso à infra-estrutura e estímulo industrial via crédito e desonerações. Diariamente são anunciados setores beneficiados e novas políticas estímulo. A saúde e a educação básica são marginalizadas na política oficial. Os projetos de transporte urbano ou são abandonados ou andam a passo de cágado. Em nome do agronegócio se implode a política indigenista e o código florestal. Simultâneo aos ataques da direita, o governo perdeu apoios à esquerda. A sensação é que se beneficia o setor empresarial e se esquece do povo.
Com cara de grande capital, o governo sofre um ataque cerrado de parte do grande capital, aqui e no exterior. E a direita organizada percebeu a fragilidade organizativa dos movimentos originados na esquerda.
Este caldo de cultura, dirigido pelos perdedores da Selic, que tem a grande mídia como tambor, levou massas para as ruas. Quem esteve nas manifestações dessa quinta viu grupos fascistas organizados para muito além da internet, com apoio de pessoas comuns. A loucura pipoca pelos bairros e parece estar em todo lugar simultaneamente. A capilaridade impressiona.
Em São Paulo, a PM elegeu três vereadores nas eleições passadas. Está em todas as cidades e bairros. Em cada batalhão de bairro há um serviço de informações P2, que foi ostensivo nas últimas manifestações. Os alvos foram direcionados: prédios públicos, militantes de esquerda, interrupção de vias públicas, sempre acobertados pela noite.
Há uma combinação entre mobilização, que pelo menos em São Paulo teve presença da juventude de igrejas evangélicas, cobertura da mídia, falas de opinólogos de plantão, ação da polícia. O que a diminuição do capilé da Selic não faz. Nada de espontâneo, como querem fazer crer.
A tarefa da esquerda, agora, é recuperar as ruas e sair da letargia de correia de transmissão do governo. E superar o economicismo da atuação sindical. Barrar o fascismo exige ação política. As forças de esquerda precisam dirigir a vocalização das reivindicações dos setores populares e recuperar as justas bandeiras das mãos do fascismo, sob pena de perder a iniciativa política para a direita e viver um bárbaro retrocesso em cima de direitos duramente conquistados.
PS do Viomundo: Desse quadro fazem parte as reiteradas tentativas da revista The Economist derrubar o ministro da Fazenda, Guido Mantega. The Economist é um órgão ideológico e um instrumento político do capital transnacional que busca ficar com a maior parte dos excedentes da sétima economia mundial.
Hoje, em sua coluna na Folha de S. Paulo, Eliane Cantanhede engrossa o coro, insinuando que a saída de Mantega do governo seria a solução para crise. Diz ainda: ”As tropas fiéis à presidente Dilma Rousseff tiveram de montar duas trincheiras: uma de defesa do Planalto, fisicamente; outra da própria presidente, politicamente”. Haveria tropas inféis? Seria uma ameaça?
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