por Carlos Tautz
Darcy Ribeiro costumava dizer – e escrever em livros como o Viva o povo brasileiro – que a dimensão mais acabada da nação brasileira era seu povo. O Brasil, para ele, era o feliz produto de uma miscigenação intensa de indígenas da América do Sul com africanos escravizados e europeus desterrados, onde só quem dá certo mesmo é o povo e a geografia deste país com dimensões de continente.
O povo, aliás, é quem mais teria avançado na construção de algo que se aproxime de uma nação, a despeito das instituições e das elites. Daí povo-nação.
Foi inevitável a lembrança de Darcy nesta semana, ao percorrer 1000 km dos sertões de Sergipe e Alagoas (com uma cidade de incrível nome Jacaré dos Homens), saindo de Aracaju, alcançando a hidrelétrica Xingó e o cânion formado pelo represamento do São Francisco. Aliás, por falar nele, o Velho Chico, o da integração nacional, sofre de assoreamento, desmatamento das margens e extração superintensa de sua água. Não chega perto da pujança de há 500 anos, quando as caravelas nem precisavam vir à terra se abastecer de água doce porque a tremenda correnteza potável do São Francisco invadia o Atlântico 3 km além da costa.
Descendo pelo lado alagoano, cheguei à Penedo e Apiaçabuçu, de onde partem os que visitam a foz do Velho Chico. Passei, entre outros, pelos povoados Potengi, Deserto Feliz e a cidade de Coruripe, indo até Maceió, para dali voltar à capital sergipana pela BR-101, por centenas de quilômetros do latifúndio da cana-de-açúcar que escraviza o solo e acorrenta o Brasil ao século 17.
Ao longo dessa diminuta epopéia pessoal, o traço comum na costa, na Caatinga, no rio-mar e no mar mesmo era aquele que Darcy amava. Em cada uma dessas paragens há um povo que constrói na terra, ora esverdeada pela recente chuva, com seus afazeres do dia a dia, uma nação e luta contra uma brutal concentração de renda e instituições públicas que adoram fazer um gol contra a sociedade.
No turismo, na pesca, na agricultura em que labuta (no latifúndio da cana, não!, que ele é paupérrimo de mão de obra!), é o povo brasileiro quem define a cara verdadeira do Brasil e lhe dá sentido, e não o governo, os parlamentos, os tribunais ou a universidade.
Se Darcy usou seu acúmulo intelectual, a sensibilidade e a paixão brasileira para cravar a melhor definição que há desse País, são as camponesas, os pescadores, as frentistas, os funcionários, as professoras e o gentio todo quem dá à nação uma cara de pele mestiça e vai concluindo esse projeto civilizatório chamado Brasil.
Carlos Tautz, jornalista, coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e controle cidadão de governos e empresas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário