Nas recentes manifestações de protesto que varreram o País, a situação da saúde foi um dos temas mais criticados em faixas e cartazes. O governo resolveu agir rapidamente e "ouvir a voz das ruas", mas agora que toma providências para melhorar o atendimento médico, quem está disposto a ajudar para se encontrar uma solução que diminua o sofrimento de tanta gente nas filas dos hospitais e nos postos de saúde?
Sem entrar no mérito das medidas propostas, o fato é que importar médicos de outros países e estender de seis para oito anos a duração dos cursos de medicina (os últimos dois trabalhando no SUS) podem ser formas emergenciais de atacar o problema a curto e médio prazos. Quem tiver propostas melhores que as apresente.
Todo mundo quer mais saúde, educação de qualidade, transporte coletivo farto e eficiente, o que é justo. Só que tudo isso custa dinheiro, os orçamentos públicos são finitos e ninguém está disposto a pagar mais impostos. Então, qual é a mágica se a conta não fecha, a situação da economia brasileira é delicada e ninguém está disposto a abrir mão dos seus privilégios para ajudar a quem mais precisa?
Tempos atrás, ao final de uma reunião do "Todos Pela Educação", movimento que ajudei a fundar e do qual participo, criado para prover o País de uma educação pública de qualidade até 2022, ano do bicentenário da Independência, um empresário comentou no elevador que seus filhos só estudaram em escolas públicas.
Fiquei curioso em saber onde, em que escola eles haviam estudado. "Em escolas americanas, claro", respondeu, sorrindo, o meu interlocutor. A questão é que nos Estados Unidos não cabe só ao governo financiar educação e saúde. A maior parte dos recursos vem de fundações privadas mantidas por grandes empresas. Aqui, só se espera que o governo providencie tudo e são raros os exemplos de donos de grandes fortunas dispostos a doar parte delas para diminuir as desigualdades sociais.
Se é para citar sempre o exemplo americano, então é bom lembrar também que lá os pais ajudam a cuidar das escolas públicas onde seus filhos estudam e os alunos mais adiantados ajudam os mais fracos, doando algumas horas por dia para que eles possam acompanhar os demais. O trabalho voluntário é uma tradição cultural, não está previsto em nenhuma lei.
Exceção à regra, em vez de apenas criticar o governo, o cardiologista e ex-ministro da Saúde Adib Jatene presidiu uma comissão que auxiliou no projeto para mudanças no ensino médico e defendeu a proposta apresentada pela presidente Dilma Rousseff. "O médico precisa se transformar num especialista em gente", disse ele em entrevista à Folha desta terça-feira.
Na outra ponta, Renato Azevedo Júnior, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), disse que as medidas do governo são autoritárias. "Isto nunca foi discutido com ninguém. Nem com as entidades médicas nem com as escolas de medicina. Vão obrigar as pessoas, mesmo as de universidades privadas, a trabalhar em determinado lugar. E a liberdade individual onde fica?", pergunta Azevedo, para quem a proposta é um "serviço civil obrigatório com outras palavras".
E qual é o problema? O serviço militar não é obrigatório? Cabe outra pergunta: E o direito do cidadão de ter atendimento médico quem é que garante? Que solução o Cremesp propôs aos diferentes níveis da administração para melhorar a saúde pública, que propostas as entidades médicas e as escolas de medicina elaboraram para enfrentar a dura realidade em que trabalham os profissionais da área e são atendidos seus pacientes?
A crise na saúde exige soluções urgentes, não dá para virar um seminário permanente. Enquanto cada setor da nossa sociedade pensar só nos seus próprios interesses, eternizando o corporativismo e o patrimonialismo seculares, não haverá nunca governo capaz de atender a todas as demandas da população.
do Balaio do Kotscho
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