por Adeildo Nascimento
Um pequeno tratado sobre aquela que só fala e não ouve
Meu amigo Fred achava que tinha encontrado o amor de sua vida.
Daniella, dizia ele, era perfeita.
Repórter da seção de cultura de um grande jornal. Bonita, sexualmente petulante, inteligente. Falava de Proust, de Almodóvar e de artes marciais e não recusava as fantasias de Fred. Piercing no mamilo, que ela dizia deixá-la em estado de contínua excitação, tatuagem de golfinho na virilha esquerda.
Tudo bem que Fred é uma gangorra sentimental, sempre à procura da mulher perfeita, mas sua descrição de Daniella me fez acreditar que aquela história duraria pelo menos algumas semanas.
Não durou mais que dez dias.
Quando Fred me disse por que tinha demitido uma mulher tão sensacional como Daniella, vi que ele tinha toda razão.
Daniella era a Mulher Tagarela.
Um homem suporta muitas coisas. Dor de dente congestionamento, jogadores mercenários. Pedágios que se multiplicam, Faustão e Gugu, Marta e Galvão, Big Brother e Casa dos Artistas. Sogras, juízes de futebol, supermercados sábado pela manhã. É incrível a resistência do homem às calamidades.
O que não dá para suportar é a Mulher Tagarela.
Daniella, me disse Fred, era uma Mulher Tagarela. Seu assunto favorito, como sempre acontece nesses casos, era ela mesma. Daniella se julgava uma eterna manchete. Contava suas histórias com entusiasmo barulhento. Seus olhos se arregalavam ao falar de si própria. A voz se erguia progressivamente entre uma frase e outra como num elevador, até se transformar quase que num grito.
Não havia pausa, não havia brechas pelas quais o pobre Fred conseguisse deter o vulcão verborrágico da linda Daniella.
“Tudo bem que a mulher fale antes e depois do sexo”, disse Fred. “Mas durante fica difícil. Não estou falando de conversa sexual. Ela me contava coisas como elogio que tinha recebido do chefe, e de como tinha sido merecido. Eu já tinha caprichado nas preliminares e então para ela já estava ok.”
A Mulher Tagarela não tem limites.
Simplesmente não consegue ouvir. Depois de escassos segundos de aparente atenção, você nota em seus olhos fugidios que ela não esta ouvindo.
Seus pensamentos estão na verdade voando em torno dela mesma.
Nada do que você faz é capaz de prender o interesse da Mulher Tagarela.
Fred é um jornalista aspirante a escritor. Contou empolgado a Daniella que uma editora de livros tinha decidido publicar o seu primeiro romance.
O primeiro romance publicado de um aspirante a escritor é mais importante que o primeiro sexo ou que a primeira vez que dirige um carro.
Ela bocejou e respondeu que a professora de português dizia sempre que ela tinha a melhor redação entre todos os alunos.
Foi quando Fred desistiu.
Fred queria o básico. Nada além do básico. “Ela não precisava nem ler o manuscrito”, ele me disse. “Bastava pedir uma cópia e depois dizer que tinha achado alguns trechos legais.”
Nos poucos dias em que estiveram juntos, Fred conheceu compulsoriamente toda a história de Daniella. Detalhes em geral pouco animadores de seus namorados passados.
Johnny falhara algumas vezes. Lúcio tinha ejaculação precoce e se recusava a enfrentar a verdade e procurar um médico. Danny Boy gostava de vê-la com outro cara na cama, era um corno feliz. Edu, com certeza, não escovava os dentes. Tavito nunca tinha lido um livro, era um burro. Mundão nem sequer conseguia chupá-la com competência.
A Mulher Tagarela só tem palavras positivas para ela mesma.
Apenas uma espécie se compara a ela.
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