Artigo semanal de José Serra

A reunião deste fim de semana do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores trouxe um fato inédito . A rotina desses encontros é culpar a oposição por todas as mazelas do país, como se os petistas não mandassem no seu próprio governo. Mas desta vez foi diferente.
Ao analisar o quadro político e as dificuldades da administração Dilma Rousseff - mais evidentes após as grandes manifestações de junho e a queda livre nas pesquisas - o PT pôs a culpa não na oposição, mas nos aliados!
Assim, os males do Brasil seriam devidos ao fato de os petistas não conseguirem governar sozinhos, sendo obrigados a composições com os “conservadores”, santo eufemismo. Tais alianças estariam a impedir os avanços que o governo tanto deseja realizar.
Será? O PT já domina completamente o Executivo em Brasília: Presidência, Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Saúde, Educação, Justiça, todos os principais órgãos e ministérios são controlados pelo partido. Além das pastas responsáveis pelos temas que fizeram as ruas explodir de insatisfação, estão nas mãos deles todas as estatais relevantes.
Proveitoso seria, hoje, que fizessem autocrítica, e perguntassem “onde foi que nós erramos?" Mas essa atitude não combina com o DNA autoritário, de quem se julga portador de uma verdade histórica tão inquestionável quanto o teorema de Pitágoras.
Um exemplo de autocrítica possível seria o da forma perversa das alianças: baseadas não em programas mas sim no rateio dos benefícios do poder.
Assim, somos obrigados a assistir o filme da fuga para adiante - "fuite en avant", para lembrar a expressão de Ignacy Sachs. Ou seja, após três mandatos, o PT pede mais para ele mesmo, demanda o poder absoluto para fazer o que não conseguiu realizar em mais de uma década de hegemonia.
Eis a origem do tal plebiscito sobre reforma política. O objetivo é um só: como não consegue passar de 20% nos votos para o Legislativo, o PT quer mudar as regras para que a minoria nas urnas se transforme em maioria no Congresso, minimizando a necessidade de aliar-se a outros partidos. Por isso defende a lista fechada para a eleição de deputados e o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais.
O PT tem cerca de 20% da preferencia popular. Como a maioria do eleitorado não se identifica com nenhum partido, se o voto for na lista partidária e não em candidatos, acreditam poder transformar os 20% nas urnas em pelo menos 40% do Congresso.
Esse propósito seria bastante fortalecido pelo financiamento público das campanhas, que beneficiaria o PT de duas maneiras. Sendo o maior partido saído das últimas eleições, disporia automaticamente de mais recursos para disputar votos. Além disso, como o PT domina a poderosa máquina federal e numerosas entidades sindicais e ONGs especiais (de fato, Organizações Neogovernamentais), que têm expertise em fazer campanha eleitoral com recursos públicos, a proibição do financiamento privado legal o favoreceria.
Uma vez que Congresso Nacional, com todos seus imensos defeitos, não é composto de suicidas, o PT enfrenta forte resistência a esses projetos. O caminho normal, democrático, seria então fazer das suas teses bandeiras eleitorais e buscar a maioria no Congresso para elas. Mas como as relações entre o PT e a democracia são nebulosas, preferem tentar emparedar os adversários e os aliados, usando para isso o tal plebiscito.
O Tribunal Superior Eleitoral já esclareceu que precisa de 70 dias para organizar um plebiscito nacional. Ou seja, não há tempo hábil para combinar quatro coisas: (1) votar nas duas casas do Congresso a lei que convoca o plebiscito; (2) realizar o plebiscito, com tempo para horário "gratuito" de TV e rádio; (3) promover o necessário trabalho congressual para regulamentar as decisões e (4) que elas valham já em 2014, respeitando o princípio constitucional da anualidade.
A presidente Dilma Rousseff continua insistindo no tal plebiscito para valer já nas eleições de 2014, e até persegue o deputado Cândido Vacarezza, petista histórico, que reconheceu publicamente a falta de tempo hábil. Ela deve saber que é inviável porém insiste. Por quê? Para alimentar um impasse e, depois, culpar o Congresso por “não ter ouvido as ruas".
Enquanto isso, passaria à população a idéia de que está empenhada e trabalhando por algo coerente, desviando o foco dos problemas verdadeiros: economia sob estagflação e dominada por expectativas ruins, consumo e emprego desacelerando, serviços públicos aquém das expectativas.
Escrevi dias atrás que o Brasil precisa de governo. Não obrigatoriamente um bom governo, mas pelo menos algum governo. É o que mais nos faz falta hoje. Talvez ainda houvesse tempo de a presidente encontrar um rumo, corrigir rotas tresloucadas que a fazem se chocar, dia após dia, com a realidade dos fatos.
Infelizmente, a inclinação parece ser a de dobrar a dose do remédio que não dá certo. O exemplo mais emblemático é a tentativa satanizar os médicos brasileiros, para dar a impressão de que está se fazendo algo pelo presente e o futuro da Saúde.
Já esgotou-se, por sorte, a velha fórmula de produzir factoides que depois serão embalados publicitariamente - e veiculados em caríssimas campanhas para induzir o povo a acreditar que o governo funciona. Isso é o que foi feito, por exemplo, com o PAC, as campanhas anticrack, os buracos de estradas, o Pronasci da segurança, etc. Esse expediente já era.
O Brasil quer governo que tenha rumo, fale menos, antecipe-se aos acontecimentos, enfrente os problemas, planeje as ações, dê exemplo de boa conduta aos cidadãos e consiga entregar a eles os benefícios mínimos que reclamam. Tão simples quanto isso.
Já passou da hora de o PT e o governo abrirem o olho. O Brasil é uma democracia sólida, o povo amadureceu e as eleições vem aí. Certos desvios e atalhos, felizmente, repousam nos livros de História para, se Deus quiser, deles não sairem nunca mais.

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