por Gabriela Antunes
Enquanto o Papa era recebido no Brasil com honras de sucessor de São Francisco de Assis, aclamado o pontífice da justiça social e alcançava a quase inédita e unânime simpatia dos brasileiros por um argentino, León Ferrari agonizava em Buenos Aires.
Provocativo, controverso, polêmico, ateu e herege. Quando o artista plástico amarrou uma estátua de Jesus Cristo a uma réplica de um caça norte-americano para protestar contra a guerra do Vietnam e uma igreja que considerava opressora, jamais imaginaria que o homem que chegou a acusá-lo de blasfemar se tornaria o Papa Francisco. “Fiz esta obra porque estavam bombardeando o Vietnam em defesa da civilização ocidental (...). Por outro lado, está a crueldade do cristianismo, representada pela figura de Cristo”, explicou Ferrari à imprensa.
“Nos anos oitenta, criei uma série de obras que se chamava ‘Para Hereges’. Eram gravuras que misturavam motivos orientais e religiosos. O pior da religião é castigar os que não pensam como eles, o auge da intolerância.
E a intolerância mais extrema é a danação por fogo eterno. Essa mesma intolerância abrange toda a sociedade”, disse uma vez em entrevista o artista, considerado pelo jornal “The New York Times” um dos cinco maiores artistas conceituais do século XX.
Crítico ferrenho da sociedade “ocidental e cristã” e ativista dos direitos humanos, Ferrari, que tem um filho desaparecido durante a ditadura, deixou a Argentina no período de repressão do Governo militar, na década de 70, exilando-se em São Paulo. Retornou a Buenos Aires em 1991.
Em 2004, uma retrospectiva do artista no bairro portenho de Recoleta levou mais de 70 mil pessoas ao centro cultural local, enquanto o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio travava uma cruzada contra o artista e sua exposição. Fanáticos religiosos chegaram a vandalizar suas obras e a justiça da época decidiu fechar a mostra, reaberta posteriormente graças a uma decisão das instâncias jurídicas superiores.
A exibição continha provocações explícitas, como santos e imagens consideradas sagradas pela Igreja católica dentro de frigideiras e liquidificadores.
“Ferrari criticou como poucos a paixão ocidental pela crueldade e o crime”, escreveu o jornalista Fabián Lebenglik, na edição de ontem do jornal Pg 12.
Em 2009, o artista chegou a brincar com a rixa dele com Bergoglio, afirmando que “pensou muito nele” quando recebeu, durante a Bienal de Veneza, o Leão de Ouro, um dos mais prestigiados prêmios das artes.
Antes de morrer, as declarações do artista foram mais sombrias: Ferrari qualificou a ascensão do Bergoglio à condição de Papa como “um horror”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário