Quem vê o arquiteto Paulo Grossi cantando e dançando nos palcos em montagens amadoras de musicais como “Hair Spray” e “Glee” não imagina que, aos 10 anos, ele se retraía todo e tinha vontade de sair correndo a cada vez que lhe perguntavam algo na rua. Pedir uma informação, então, nem pensar. O irmão mais novo é quem tinha de tomar frente. Afinal, ele era um tímido assumido .
Sentimento natural do ser humano, a timidez tem origem em vários fatores, e seu grau pode ser uma questão cultural – os japoneses são os mais tímidos e os israelenses, os menos. Porém, quando ela atrapalha a vida das pessoas, é preciso ligar o botão de alerta. “Antes de mais nada, é importante procurar ajuda. A timidez pode ter um efeito de ‘maçã podre’, e atingir diversas áreas da vida do tímido”, explica o psicólogo Ailton Amélio, autor do livro “Relacionamento Amoroso: Como Encontrar Sua Metade Ideal e Cuidar Dela” (Publifolha).
A timidez surge de uma espécie de medo, seja ele de não ser aceito, de falar alguma besteira ou de desagradar. Essas inseguranças podem começar a ser moldadas na infância, e com mais força dependendo da criação. “O tímido tende a acreditar que não está à altura dos acontecimentos da vida. Sentimento que piora bastante caso a pessoa seja submetida a uma educação autoritária. Mas aí é que entram outras nuances mais discretas”, afirma Bruno Maron, autor do livro “Manual de Sobrevivência dos Tímidos” (Editora Lote 42). “Se você não é tutelado por uma força que impõe medo, ainda assim existe a chance de os seus tutores serem pessoas afrontadas por outras forças intimidatórias. Qualquer atmosfera carregada de medo tem as condições normais de temperatura e pressão para o desenvolvimento do vírus da timidez”, completa Bruno.
Mas, afinal, é possível deixar de ser tímido?
Existem várias maneiras de diminuir a timidez; ou, ao menos, aprender a conviver com ela. Ailton Amélio explica que, em seu consultório, ele ensina técnicas de discurso para falar em público ou conversar, utilizando a associação de ideias e reposição de assunto. Caso esqueça algo durante a fala, a associação faz com que o tímido saiba como prosseguir. “Essa é uma maneira de praticar temas que podem ser discutidos caso haja um ‘branco’ ao falar. Nessas horas, a ansiedade pode bloquear o pensamento e por isso é importante ter essa lista [de associações] gravada.”
Ao contrário do que se pensa, pessoas tímidas não têm déficit de habilidades; apenas têm receio de explorar seu potencial. “O importante é criar confiança e fortalecer esse sentimento diariamente”, diz Ailton. Para isso, além de técnicas mais objetivas, os tímidos podem recorrer a cursos menos específicos, mas que também têm bons resultados, como de oratória, de teatro, música e canto.
Foi o que fez Paulo Grossi para virar o jogo. “Desde criança já tocava alguns instrumentos, mas foi o canto e a atividade em grupo realizada no coral, com o trabalho cênico, que fez a grande diferença”, lembra o arquiteto, que hoje é também diretor de teatro do Grupo Singulari, com o qual apresenta números de canto e dança. A atividade permitiu que ele ganhasse mais cumplicidade nos relacionamentos interpessoais e pudesse ter maior entendimento de suas próprias limitações e potenciais, colocando-os à prova diante do público.
Além disso, Gross garante que o contato com o espelho nas aulas de dança ajudou, e muito, nesse processo. “É uma atividade que traz autoconhecimento. Assim você passa a se entender, se aceitar, se desafiar ou se encarar. E acredito que tudo isso contribui para superar a timidez.”
Outra alternativa são aulas de dança, como conta a professora Debora Cristina Silva, da escola Um Ponto de Dança, que criou uma turma especial para tímidos. “Os ritmos ensinados são forró, bolero, salsa; todos os que exigem a formação de um casal. O objetivo é facilitar a aproximação”, explica a professora. Para as aulas, ela utiliza jogos teatrais e brincadeiras para animar e relaxar a turma. “Nada de constrangedor, não permitimos brincadeiras que magoem”, completa.
Segundo Ailton Amélio, cerca de 40% dos tímidos têm uma remissão espontânea conforme crescem; ou seja, deixam de ser tímidos naturalmente. “A vida obriga a pessoa a se expor e a refazer sua imagem e do próprio mundo.” Porém, em casos em que isso não ocorre, é importante conseguir superar os medos. “A maioria dos tímidos têm medos que são fictícios. Nós ensinamos a superá-los com muito treinamento”, conta o psicólogo. Outro método utilizado por ele é a recriação de situações, isto é, reviver o fato e ensinar uma postura diferente ao tímido, para que ele saiba como lidar com algo semelhante no futuro.
A exposição gradual a situações sociais também é uma maneira de lutar contra a timidez excessiva. Ir a lugares com pessoas de interesses comuns, conversar sobre temas que domina com conhecidos e, dessa maneira, ir aprofundando o contato com desconhecidos, faz com que o tímido teste os seus limites e ultrapasse algumas fronteiras.
Quando uma pessoa é tímida, ela se reconhece como tal. Portanto, se alguém diz que é tímido, mesmo que não pareça, acredite. “A pessoa se identifica com a sua timidez, os outros acharem que ela não é faz com que tenha a impressão de falso inibido, piorando a autoestima”, comenta o psicólogo Ailton Amélio. Os tímidos têm muita consciência de si mesmo, e acham que tudo ao seu redor conspira para seu fracasso. É importante tentar sair dessa bolha e ver que o mundo, afinal, gira em torno de todos. “Convença-se: o mundo não está só esperando para ver qual é a próxima que você vai aprontar”, já dizia Luiz Fernando Veríssimo, tímido veterano, em sua “Carta aos Tímidos” (revista Época, 29/03/04).
É possível conviver com a timidez e atingir a excelência na área de sua escolha. Não é porque se é tímido que não se pode ser bem sucedido. Nomes de tímidos famosos como Woddy Allen, Reynaldo Giannechini, Johnny Depp, Lady Gaga e o próprio Luis Fernando Veríssimo são provas disso.
iG ,
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