Inimigo número 1 do governo, parlamentar do PMDB enfrenta o Planalto amparado por uma "bancada" que ele ajuda a eleger
Claudio Dantas Sequeira e Izabelle Torres
Sem o menor constrangimento, Cunha joga contra o governo e a orientação de seu próprio partido
Se os problemas que a presidenta Dilma Rousseff enfrenta no Congresso Nacional pudessem ser personificados, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) encarnaria o retrato da crise com a base aliada. Desde que se tornou líder do PMDB na Câmara, Cunha passou a representar a soma de todos os medos do Palácio do Planalto. Com o aval para negociar em nome do partido, o parlamentar enquadra vozes dissidentes, empareda o governo e até organiza tucanos e democratas para criticarem o governo. “É claro que estamos preocupados. Quem tem um líder do maior partido aliado como esse não precisa de oposição nem de adversários”, diz um ministro com assento no Planalto. Uma preocupação que faz sentido. Na última reunião do colégio de líderes da Câmara e do Senado antes do recesso, Cunha fez questão de jogar contra o governo e contra a orientação de seu próprio partido sem o menor constrangimento. Assumiu sem reservas o papel de inimigo número 1. Discutia-se a proposta para votação do orçamento e, ao ser dada a palavra à oposição, quem se levantou foi Cunha. “Na Câmara, a obstrução continuará!”, disparou. Em seguida, a reunião foi encerrada sob um silêncio obsequioso.
Diante de posturas como essa, entender como Cunha se mantém no posto e não encontra dentro de sua legenda alguém capaz de fazê-lo cumprir as determinações do partido é ainda um desafio para muitos de seus colegas e especialmente para o governo. Uma das principais reclamações dos auxiliares mais diretos da presidenta Dilma Rousseff é o fato de nem o vice-presidente Michel Temer, principal nome do PMDB, conseguir se impor diante do deputado do Rio de Janeiro. A explicação dada por parlamentares é que, na campanha presidencial, Cunha ganhou uma mesa e um telefone na residência oficial do presidente da Câmara, então ocupada por Temer. Sentava-se, segundo deputados e senadores, no canto esquerdo da sala principal, disparava telefonemas durante todo o dia e passava as noites em jantares com potenciais financiadores da campanha. Teria sido ele, de acordo com os parlamentares, um dos principais agenciadores de recursos financeiros para o PMDB em todos os Estados. “Cunha tem um mapeamento de todos os que ajudou a eleger e isso lhe propicia manter uma espécie de bancada pessoal”, disse um dirigente do PMDB paulista na manhã da sexta-feira 2. “Não chegam efetivamente a seguir suas orientações, mas não oferecem resistência às suas rebeldias.” Com esse tipo de ascendência sobre os colegas e uma enorme capacidade de trabalho, Cunha acaba sendo protagonista de grandes questões, como a MP dos Portos. “Ele só entra em briga grande”, diz um ex-assessor da liderança do PMDB na Câmara.
Na MP dos Portos, Cunha se posicionou claramente contra o governo e atropelou qualquer postura partidária. Foi o responsável pela emenda que garantia a renovação automática das concessões dos atuais terminais portuários – a mesma que a ministra Ideli Salvatti, falando em nome do governo e da base aliada, chamou de “imoral”. Ao sancionar a lei, Dilma vetou o dispositivo. Nas próximas semanas, Cunha tentará derrubar o veto. No PMDB, a leitura é a de que a proposta beneficia gigantes do setor, como o bilionário Eike Batista e o banqueiro Daniel Dantas, que vem diversificando investimentos. São atribuídas a Dantas as operações da empresa AMC Holding, do Grupo Libra, que atualmente opera no Porto de Santos. Em 2010, a AMC doou R$ 240 mil para o PMDB do Rio de Janeiro a pedido de Cunha e, segundo parlamentares, é constantemente procurada para contribuir com as finanças da legenda. Assessores da Câmara e lobistas com acesso aos gabinetes peemedebistas dizem que Cunha carrega uma agenda com a lista de empresas beneficiadas por sua atuação parlamentar, muitas delas ligadas aos setores de energia, telefonia e construção civil.
Na votação da Lei Geral da Copa, coube a ele aprovar a polêmica emenda do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que contornou a Lei 8.666, de licitações, para dar agilidade à construção de estádios. Em apenas 20 dias a proposta foi aprovada na Câmara e no Senado, um feito sem precedentes. “Todas as empreiteiras que foram beneficiadas com o RDC estão na lista de Cunha e certamente serão procuradas nas próximas disputas eleitorais”, diz o dirigente do PMDB em São Paulo. “O segredo é que os recursos obtidos por ele sempre são canalizados ao diretório nacional, que os redistribui aos Estados.” Na última semana, Cunha foi procurado por ISTOÉ, mas não retornou as ligações.
A condição de “dono de uma bancada pessoal”, segundo alguns parlamentares, faz com que Cunha muitas vezes atue sem se expor. Citam como exemplo a tentativa de validar o uso de créditos podres do antigo Banco Nacional, por meio de uma MP. A proposta foi articulada por Cunha, mas chegou ao Congresso com a ajuda do senador Romero Jucá (PMDB/RR). Também no jogo político, há momentos em que o deputado atua apenas nos bastidores, mas com os objetivos bem delimitados.
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