Me perguntaram hoje qual falácia eu acho mais difícil de identificar. Bem, eu diria que a mais fácil é a "ad hominem

...ao invés de rebater o argumento, o sujeito ataca a pessoa que emite o argumento. Muito eficiente para desviar o assunto quando na verdade você não tem um contra-argumento razoável 

Mas a mais difícil de identificar - acho - é a falsa analogia. Por que? Ora, porque nós construímos nossos raciocínios em torno de analogias. A vida é o reino do "como se". Apenas um bebê não faz analogias, porque tudo lhe é novo, e não há nada para comparar. Na medida em que nos desenvolvemos e conhecemos coisas, é natural que as comparemos com outras já conhecidas.

Por isso é tão tentador fazer analogias entre a Física e a Psicologia, ou entre a Física e a Espiritualidade, embora geralmente tais analogias sejam falsas. Se em Física eu digo que "o momento se conserva", é muito fácil alguém achar isso bonito, poético, e dizer que a Física prova que aquele momento lindo que você partilhou com seu amor se conservará para a eternidade. Ou se eu falo em "lei da ação e reação" na Física, é tentador fazer uma analogia entre isso e o karma orientalista. Uma análise mais apurada mostrará que as duas coisas, contudo, não são a mesma. 

Porque, note bem, analogia não é IGUALDADE. Se "a" é análogo a "b", isso não significa que a e b sejam a mesma coisa. O mais importante, numa analogia, não é avaliar os graus de semelhanças, mas ficar atento ao que há de NÃO-SEMELHANTE entre as duas coisas.

Vou pegar o caso do programa "Mais Médicos" e de outras polêmicas envolvendo médicos, e apontar duas falácias da falsa analogia: uma proferida por quem defende o programa, e outra por quem o critica.

Falácia da Falsa Analogia Brasil-Inglaterra: "Na Inglaterra, o estudante de Medicina é obrigado a prestar serviço público, e no Brasil deveria ser igual". No caso, busca-se justificar uma ideia do governo a partir de uma comparação com o sistema inglês. É sedutor, porque a pessoa vê e pensa: "se é bom pra Inglaterra, será bom para o Brasil". Ok, mas as diferenças entre Brasil e Inglaterra, sobretudo no quesito ESTRUTURA dos hospitais, não torna esta comparação razoável. Não adianta só dizer "na Inglaterra é assim". O Brasil não é a Inglaterra, temos problemas aqui que por lá eles não têm.

Falácia da Falsa Analogia Médico-Cozinheiro: "Vamos fazer então um programa "mais cozinheiros" pra mandar cozinheiros estrangeiros pro interior, mas isso não vai acabar com a fome". De fato, não acabaria com a fome, mas a analogia não é razoável justamente porque as dessemelhanças entre "médico" e "cozinheiro" são imensas. Qualquer um pode aprender a cozinhar, não é preciso formação para isso. Basta material e não ter nenhuma grave deficiência mental. No caso dos médicos, é evidente que nem todo mundo pode ser médico - é preciso anos de estudo para isso.

Citei a falácia da falsa analogia no caso Brasil-Inglaterra, e não é o único caso. Meses atrás, li um artigo escrito por uma pessoa bem inteligente, dizendo que no Brasil a gente se rende ao terror dos bandidos, e na Inglaterra o cidadão enfrenta. De fato, na Inglaterra o cidadão enfrenta, mas por lá as armas são proibidas, de modo que se você tiver que enfrentar um bandido armado, ele estará munido de uma faca, não de um instrumento que mata à distância. Deste modo, eu não recomendaria a ninguém que "enfrentasse um bandido" no Brasil, com ele munido de um revólver.

Fiz questão de frisar que o texto que li foi escrito por um cara inteligente, porque se valer de falácia não tem nada a ver com burrice. Pelo contrário, ela transborda em pessoas inteligentíssimas! Insinuar ou afirmar que quem aplicou uma falácia é "burro" não passa de OUTRA falácia. Não usar falácias demanda, contudo, disciplina rigorosa de leitura, escrita e debate. Na minha opinião, é uma das melhores coisas que o estudo da filosofia pode oferecer. Só tem um probleminha: num mundo em que o comum é usar falácias, quando você se treina para não usá-las e desmontá-las quando a usam contra você, você se torna apenas "chato".

Mas tudo bem, chato vem do latim vulgar, platus. Platão era um chatão, então você estará em ótima companhia!

Nem por isso, ache que estudar falácias te tornará uma divindade das não-falácias. Eu as estudo, sou fascinado por elas e as cometo, sem querer - embora normalmente esteja atento contra elas. Como eu disse em outro post, agradeço se me apontarem as minhas quando doravante as cometer. Quem sai ganhando, afinal, é quem foi corrigido!

Nenhum comentário:

Postar um comentário