Eu vim para confundir, não para me explicar. Sobre as biografias não-autorizadas, o rei agora não é contra nem a favor, muito pelo contrário.
Ele que, por meio de uma ação judicial, forçou o recolhimento de milhares de exemplares da biografia ‘Roberto Carlos em detalhes’ em abril de 2007, disse na TV que é “a favor do projeto de lei que aceita biografias não-autorizadas”.
A entrevistadora, Renata Vasconcellos, ainda tentou esclarecer: “Você mudou de opinião?” “Não é que eu mudei”, disse Roberto Carlos. (!?)
Não entendi nada. Nem ninguém entendeu. Achei patéticas as considerações do rei. Se a entrevista alcançou um objetivo, foi o de exibir a confusão mental de Roberto Carlos e o ciúme que ele cultiva de sua própria imagem. Em nenhum momento da entrevista Roberto Carlos deu um argumento plausível para ter interditado e censurado (com o aval da Justiça) a sua biografia, escrita pelo jornalista e historiador Paulo César de Araújo.
Não, o que o incomodou não foram os detalhes sobre o atropelamento de trem que decepou parte de sua perna direita quando era criança. Não, o que o incomoda é o fato de Paulo César de Araújo ter se apropriado de sua história. “O biógrafo não cria uma história. (...) Ele narra aquela história que não é a dele. Que é do biografado. E a partir do que ele escreve, ele passa a ser dono da história. E isso não é certo”.
- Por uma questão também comercial? – pergunta Renata.
- Por tudo – diz Roberto.
A resposta não poderia ser mais vaga, como convém à história mal contada dos músicos que se juntaram num movimento chamado “Procure saber”. Diante de tantas idas e vindas e explicações mambembes, o movimento deveria ser rebatizado para “Procure entender” – porque está difícil, pessoal. A gente bem que tenta. Mas está cada vez mais difícil porque agora Roberto Carlos inventou o "Procure Saber do B".
Uma hora os músicos – entre eles os ícones da resistência musical à ditadura militar Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil – negam ser contra a censura mas exigem autorização prévia para biografias. Ah, dizem eles, sua preocupação é apenas contra a invasão de privacidade. Entendi. Mas não.
Outra hora, Chico tenta desacreditar o biógrafo Paulo César de Araújo dizendo que não deu a ele entrevista para o livro de Roberto Carlos. Confrontado com o vídeo que prova seu esquecimento, Chico pede desculpas. Caetano escreve no jornal, rebatendo acusações de que a idade mais avançada o teria tornado um censor careta – e sai em defesa macha da ex-mulher cujo nome esqueci... Gil entra na dança, também em favor da autorização prévia de biografados e herdeiros, mas com malabarismos comoventes para se livrar da pecha de censor.
Por quê? Para evitar revelações da intimidade dos biografados – sejam eles artistas ou políticos. Ah, e também para evitar que os biógrafos fiquem ricos com a história dos biografados. Como todos sabem, a grana de direitos autorais é obscena no Brasil (para baixo, não para cima).
Essa turma de músicos e compositores que trabalha tão lindamente com palavras deveria chamar as coisas pelo que elas são. Isso é censura.
Roberto Carlos se acha hoje mais flexível. Ele só quer uma lei que estabeleça “limites”. Mas não disse quais. Veio para confundir, não para explicar.
Disse no Fantástico que não acha mais a autorização prévia necessária. E sim “um acordo”, “uma conversa”, “uns ajustes”. Entre escritor e biografado. Que acordo seria esse? Roberto Carlos não revelou. “Teria que ser discutido”. Mas “acordo” não é a mesma coisa que “autorização prévia?”. Veio pra confundir, não para explicar.
Em nenhum momento, na entrevista ao Fantástico, Roberto Carlos acusou Paulo César de Araújo de ter invadido sua privacidade ou contado intimidades que não queria ver reveladas. Não, nada disso. A história é outra. Vaidade? Roberto Carlos disse que só ele próprio pode contar. E que vai contar muito mais!
“Eu estou escrevendo a minha história. E informando muito mais a essas pessoas sobre a minha vida, sobre as minhas coisas, muito mais do que qualquer outra fonte.”
- Quem escreveria a biografia do Roberto Carlos com as bênçãos do rei? – pergunta Renata.
- Eu – diz Roberto.
Roberto Carlos decreta assim o fim do ofício do biógrafo - na melhor passagem da entrevista (parabéns, Renata). Só as autobiografias seriam válidas! Só se revela o que o biografado quer. E do ponto de vista que ele escolher.
As perguntas finais, para uma entrevista hipotética ao rei, são:
* Roberto Carlos, em sua autobiografia autorizada, no relato bombástico sobre sua vida que terá vários volumes (segundo ele), citará quem pelo nome?
(Imagino que muita gente mesmo, porque uma vida não se encerra numa pessoa entre quatro paredes, é um cruzamento de vidas. Ainda mais uma vida de um ídolo)
* O “autor” Roberto Carlos pedirá permissão a todas essas pessoas para contar o que viveu com elas?
* Ou essas outras pessoas, citadas na futura autobiografia de Roberto Carlos sob seu ponto de vista pessoal, pleno e intransferível, poderão interditar o livro e recolhê-lo das livrarias?
* Todas terão de assinar um papel para aprovar previamente a versão de Roberto Carlos? Incluindo os herdeiros das que morreram?
Os detalhes tão pequenos de nós dois podem parecer enormes, incendiários e inconvenientes aos olhos de quem Roberto Carlos encontrou nas curvas da estrada da vida...
Roberto, isso tudo é uma brasa, mora?
Nenhum comentário:
Postar um comentário