A frase, ouvida assim no meio da rua e pronunciada por um transeunte anônimo, soa de alguma forma familiar.
Venha de onde vier – dos gabinetes palacianos, dos marqueteiros, das agências de propaganda, dos institutos de pesquisa, das entidades de classe, dos tribunais ou das cabeças que comandam a mídia – há, parece, algo como uma mão poderosa que dissemina a desconfiança, a insegurança e o medo, pondo a nós, pobres náufragos de nossa soberba, em conflitos aparentemente insolúveis.
Já não se dissimula mais a desfaçatez, a ironia e a maldade, a ofensa e o desprezo, a ganância e a torpeza de caráter. O nome do jogo, mais que nunca, é a afronta, a traição, a pusilanimidade. Com o que mais se indignará, a ponto de provocar qualquer correção de rumo, seja do que for? Adaptamo-nos velozmente a uma espécie de mecanismo eficaz que amortece, com rapidez surpreendente, a indignação pela injustiça e pela falta de compromisso, sobretudo com a sociedade. Mais que isto: que atrofia a cidadania.
Dia desses, o senador Cristovam Buarque, do PDT do Distrito Federal, (cito-o aqui exclusivamente pela coerência do que disse), chamava a atenção para o silêncio e a inércia geral diante da revelação de que, não só aumentou o número de analfabetos no Brasil, como o país desapareceu da lista das 200 melhores universidades do mundo. Fosse uma queda brutal assim no ranking da Fifa, complementava o parlamentar, e possivelmente a indignação nacional seria visível.
As manifestações de junho último vão sendo cuidadosamente postas de lado, e já se ousa dar-lhes nova interpretação, redimensionando-lhes a motivação como voltadas unicamente ao preço das passagens dos ônibus urbanos. Quando muito, alguns manifestantes teriam pego carona no movimento, com interesses pontuais e oportunistas.
Mazelas há, aqui como lá. A queda de braço entre democratas e republicanos no Congresso, expôs o já mal-visto governo norte-americano, entre outros, pelo episódio da espionagem. O trágico naufrágio de refugiados líbios a caminho da ilha de Lampedusa, na verdade reapresenta uma chaga que já não chamava mais a atenção do mundo. O horror da guerra civil na Síria, os famintos (sobretudo os da África), o atentado terrorista num shopping do Quênia, a situação no Egito... – tudo reforça a suspeita de que aquela frase anônima citada lá em cima seja compartilhada por muito mais cabeças do que se imagina.
Há anos, o falecido monge beneditino Dom Estevão Bittencourt escreveu longo artigo sobre “os silêncios de Deus”, que sempre pesaram sobre a mente humana “como doloroso mistério e aparente indiferença”. Quando tudo parece estar sendo posto de ponta-cabeça, deliberadamente ou não, é também comum que se questione porque é próspero “o caminho dos ímpios”. O autor então responde:
“(...)Ora, a impressão de que Deus é omisso ou sádico é insustentável aos olhos da sã razão: se Deus existe, ele há de ser necessariamente o Ser perfeito, no qual justiça, amor, providência... se encontram em grau sumo... Um Deus falho ou deficiente não é Deus; não se combinam entre si a noção de Deus e a de imperfeição. É mais lógico não crer em Deus do que crer num Deus culpado.
Por isto a sã razão e a fé afirmam que Deus não está ausente aos problemas dos homens, nem pode pactuar com o mal. Os avanços da malvadeza no mundo lhe são conhecidos; Ele os repudia (não pode deixar de os repudiar). Se, porém, Ele os permite, só o faz porque quer deixar que os homens - criaturas livres - exerçam a liberdade, com os seus possíveis desatinos.(...)”.
Necessário crer e ter esperanças pois, afinal, silêncios podem ser consoladores.