Todo cuidado é pouco nestes tempos em que até laudos médicos parecem capazes de falar duas coisas ao mesmo tempo.
A versão resumida do laudo médico da Câmara sobre a saúde de José Genoíno, divulgada quarta-feira pelos meios de comunicação, não exibe o parágrafo mais importante do documento.
Limita-se a dizer que Genoíno não pode ser enquadrado hoje, na categoria de quem sofre de uma cardiopatia grave, condição médica precisa.
Também informa que os quatro peritos que assinam o laudo recomendam que, no final de sua licença médica de 120 dias, que se encerra em janeiro de 2014, Genoíno receba uma nova licença, de 90 dias, para em seguida ser submetido a uma nova avaliação. Fica a pergunta: se está tudo tão bem com sua saúde, por que não dizem que é hora de voltar ao trabalho?
A realidade é a seguinte: ao dar preferência à versão resumida do laudo, omitiu-se, é claro, o aspecto mais importante.
Embora se considere que Genoíno esteja recuperado, três meses depois de ter sofrido um implante de 15 cm em sua artéria aorta, é grande a possibilidade de que essa situação seja revertida, em função, exatamente, de sua atividade laboral, como diz o laudo. O trecho omitido explica por que isso pode acontecer:
- a) em função da idade de Genoíno;
- b) a presença de um fenômeno chamado falsa luz na aorta;
- c) o diâmetro do arco aórtico de 41 mm;
- d) o controle inadequado da pressão arterial;
“Nessa circunstancia,” diz o documento, no longo trecho omitido, “a atividade laboral poderia acarretar riscos de descontrole de pressão arterial que, em associação com anticoagulaçao inadequada, aumentaria o risco de eventos cardíacos e cerebrais. “
É disso que estamos falando, portanto. De um paciente de 67 anos, que tem um quadro de saúde delicado, capaz de evoluir para um infarto ou AVC – sinônimos de “eventos cardíacos e cerebrais” – em função de fatores desfavoráveis, que a medicina pode tentar controlar mas não pode curar.
Mais uma vez, estamos de volta a condicionantes. Ou salvaguardas, como diz o laudo dos cardiologistas da Unb.
Como principal fator de risco, diz o trecho não divulgado do laudo, encontra-se sua “atividade laboral.”
Da mesma forma que se anuncia uma melhoria no paciente, aponta-se para um risco de piora grave.
Por esse motivo, prevê-se uma licença de 90 dias, seguida de nova avaliação.
E nada se diz diante da hipótese de que ele seja obrigado a deixar a prisão domiciliar e retornar ao presídio da Papuda.
Não se trata de uma questão médica, apenas. Genoíno já é aposentado pela Câmara.
Mas luta pela aposentadoria por invalidez porque sua condição médica se modificou e tem direito a ela.
Era um cidadão saudável, até julho. Enfrenta aquele conjunto de riscos permanentes que você pode ler acima, sem falar no implante de 15 cm no peito, agora. É claro que ele não irá acumular duas aposentadorias. Uma exclui a outra. Há uma vantagem na aposentadoria por invalidez, relativa aos gastos com tratamento médico.
Mas há uma questão política, também. Condenado pela ação penal 470, Genoíno enfrenta o debate sobre a cassação do mandato. Querem que seja atingido pela desonra.
É um político convencido da própria inocência, o que não é difícil de compreender. Havia uma única prova que havia contra ele, aqueles contratos do PT com o Banco Rural. Mas ela foi desmontada pelo inquérito da Polícia Federal, que demonstrou que eram transações comerciais legítimas, que mobilizavam dinheiro de verdade, ao contrário do que se disse no início das denúncias.
Num país em que tantos políticos parecem convencidos de que “o mal, em nosso tempo, tem uma atração mórbida,” como dizia Hanna Arendt, referindo-se ao pensamento nazista, Genoíno tornou-se um troféu para seus adversários. Deve ser perseguido, estigmatizado, humilhado, se possível.
Já que é um dos poucos políticos que não enriqueceu na atividade, querem derrotar sua dignidade, esterilizar uma biografia que poucos podem igualar. Precisa ser criminalizado, num recurso destinado a apagar sua luta corajosa durante o regime militar, a atuação essencial na Assembléia Constituinte, o respeito absoluto pela democracia.
Essa é a função da divulgação dos laudos pela metade, atitude que sugerem que simula uma doença que não seria tão grave assim. Como se tudo fosse fingimento, encenação.
por Paulo Moreira Leita diretor de IstoÉ em Brasília
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