Era uma manhã de terça-feira no Paraíso. Adão — o primeiro homem — acordou, vestiu sua folha de parreira e saiu para trabalhar. Sua tarefa era cuidar do Paraíso. Não sabia bem ao certo o motivo de ter que fazer isso. Apenas entendia que tinha que fazer, e era isso que fazia todos os dias.
Estava caminhando em direção ao lago quando foi surpreendido por um cavalo que se aproximou aos gritos. Uma parte da floresta estava em chamas.
Sem pensar duas vezes, Adão se pôs a correr em direção ao local, mas ainda no caminho, foi surpreendido por dois canários que vieram pedir sua ajuda: seu ninho estava sendo desapropriado pelos chimpanzés. Sem reduzir a velocidade, Adão pediu que esperassem um pouco, pois tinha uma emergência para resolver e continuou em disparada até alcançar o incêndio, que começava a se espalhar pelas árvores.
Sabendo que não conseguiria controlar o fogo sozinho, recrutou os únicos animais que estavam por perto para lhe ajudar:
os babuínos. Eles usariam os cavalos para buscar água do rio e Adão coordenaria o trabalho.
Logo, os babuínos e cavalos começaram a trabalhar e o incêndio começou a diminuir. Antes que as últimas chamas se apagassem, Adão ouviu alguém chamando seu nome. Era um dos coelhos, reclamando que a horta do Paraíso estava toda destruída.
Adão disse a ele para esperar alguns momentos e voltou correndo para perto da árvore dos canários — no meio do caminho, encontrou a serpente, que lhe ofereceu uma maçã, o que Adão prontamente recusou. Subiu numa árvore e encontrou os chimpanzés começando a remover não apenas o ninho dos canários, mas os ninhos de todos os pássaros daquela árvore.
Adão procurou o líder deles — um chimpanzé que fazia anotações em mapas desenhados em folhas de bananeira — e pediu satisfações.
O macaco explicou que aquela árvore estava em obras: os galhos seriam expandidos para que os chimpanzés pudessem circular por ali com maior conforto. Adão explicou ao macaco que ele não tinha esse direito. Mandou as obras serem interrompidas e que os ninhos fossem devolvidos imediatamente.
Os chimpanzés protestaram, mas Adão manteve sua posição e os primatas o obedeceram. Problema resolvido. Mas, enquanto voltava ao chão, Adão descobriu que subir na árvore era mais fácil que descer e, após pisar em falso em um galho, escorregou e caiu de costas no chão, perdendo o ar.
Permaneceu deitado por alguns minutos para recuperar o fôlego, mas logo foi obrigado a rolar para o lado, para não ser atropelado por três babuínos que passaram pelo local em disparada. Adão se pôs de pé e começou a correr atrás dos bichos até encontrar os cavalos parados, centenas de metros depois.
Estavam cercados de macacos.
Com poucos minutos de conversa, Adão descobriu que os babuínos, agora que haviam aprendido a cavalgar, estavam organizando corridas de cavalo e promovendo apostas entre os outros animais. Adão começou a discutir com eles e disse que era melhor pararem com isso, mas foi obrigado a interromper seu discurso quando ouviu os gritos do coelho cobrando alguma atitude sobre a horta.
O primeiro homem correu até o local e descobriu que a plantação inteira havia sido usada pelos gorilas como campo de treino de luta.
Adão decidiu que seria melhor cercar a horta, mas antes era preciso semeá-la novamente. Estava planejando os detalhes com os coelhos quando observou algo deslizando dentro de um buraco na horta. Colocou a mão dentro da terra e começou a puxar com força até arrancar do solo… a serpente, que sorriu e perguntou se ele queria uma maçã.
Adão jogou o animal longe e, com a ajuda dos coelhos, começou a semear novamente a horta. Estava quase terminando quando três girafas se aproximaram pedindo sua ajuda: outra girafa havia sido capturada pelos micos e estava sendo usada como tobogã no lago.
Adão pediu ao coelho que terminasse de semear a horta e cercasse o lugar usando cipós e correu na direção indicada pelas girafas.
No meio do caminho, foi abordado por macacos que, ainda sobre os cavalos, o cercaram. Desta vez, não eram apenas babuínos, mas também chimpanzés e gorilas. Todos portavam lanças. Um dos babuínos explicou que haviam montado um exército e estavam prontos para defender o Paraíso.
Adão explicou que não havia guerras e, sem guerras, exércitos não eram necessários. E que já era hora deles deixarem os cavalos em paz. Continuou correndo, deixando para trás os macacos e suas ameaças de tomar o poder e instaurar um regime militar.
Finalmente, Adão chegou até o local indicado pelas girafas. Encontrou o animal amarrado com cipós à beira do lago. Dezenas de micos subiam no animal e deslizavam pelo seu pescoço até decolar, flutuando no ar e mergulhando no meio do lago. Nadavam de volta para a margem e repetiam o processo.
Adão nem precisou pensar a respeito. Pegou uma pedra um pouco mais afiada e cortou os cipós que mantinham o animal preso.
Aliviada por se ver livre, a girafa deu uma sacudida e correu em busca das amigas, enquanto os micos protestavam, gritando que Adão não tinha esse direito, que eles estavam apenas se divertindo — um deles até tentou argumentar que a girafa estava lá porque queria — antes de partirem reclamando em busca de outra coisa para fazer.
Sozinho à beira do lago, Adão percebeu que o local estava imundo.
Foi quando percebeu que já era quase hora do almoço e ainda nem havia começado suas tarefas habituais. Passara a manhã inteira resolvendo problemas.
Respirou fundo e decidiu comer e descansar um pouco antes de voltar a trabalhar.
Sentou-se à beira do lago, abriu um coco e começou a almoçar. Ainda estava comendo quando um leão apareceu e sentou-se ao seu lado. Ficou olhando o lago por alguns instantes antes de puxar assunto.
– Você está bem? Parece cansado.
Adão colocou o coco de lado.
– Estou. O dia ainda não está nem na metade e parece que eu já resolvi centenas de problemas.
– Eu ouvi falar de um incêndio.
– Sim. O incêndio. A horta. A girafa capturada pelos micos. Os chimpanzés fazendo obras em uma árvore. A manhã foi cheia. Bem, na verdade, foi uma manhã normal. Todo dia aqui é assim.
– Como você consegue resolver tudo isso sozinho?
– Sinceramente? Acho que o segredo é não pensar a respeito. O problema aparece, eu resolvo. É o que eu faço.
– Fácil assim? Mas como você se prepara para tudo isso?
– Eu não me preparo. Eu cuido do Paraíso sozinho, então se cada vez que surgisse um problema aqui no Paraíso eu pensasse “não sei o que fazer”, eu não resolveria metade das coisas que resolvo.
– Como assim?
– O segredo não é se preparar, mas sim estar sempre preparado. Estar pronto o tempo todo, para qualquer coisa.
– Bela resposta.
Antes que Adão pudesse falar algo, o leão encarou Adão diretamente e continuou:
– É isso que faz de você um homem.
– Como assim?
– O fato de estar pronto para tudo, sempre, faz com que você seja sempre maior que qualquer situação que aparecer na sua frente. Mesmo que seja uma situação que você não conheça. É isso que faz de você um homem.
– Talvez.
– Tenho certeza que sim.
– Bem, a conversa está boa, mas agora preciso começar a limpar o lago, antes que algo novo aconteça.
O leão olhou novamente para o lago. Adão não teve certeza, apenas uma leve impressão de que o leão havia dado um sorriso discreto antes de se levantar.
– Não se preocupe. Nós ainda vamos conversar muito. Tenho certeza disso.
O animal foi embora e Adão começou a recolher a sujeira da beira do lago.
Mal havia começado quando se viu novamente cercado pelos macacos, que apareceram do nada. Desta vez, eram todos os macacos juntos. Micos, chimpanzés, gorilas, babuínos, macacos-aranha, macacos-prego, saguis… Adão percebeu que eles nunca tinham se unido desta forma. Estavam reunidos pela primeira vez. Todos montados em cavalos.
Explicaram a ele que estavam pensando em produzir uma peça de teatro no Paraíso. O roteiro contaria a história de um homem que descobre que está num mundo dominado inteiramente por macacos que andam a cavalo e tratam os humanos como animais. O título provisório da peça era O Planeta dos Macacos e Adão havia sido apontado como o principal candidato para interpretar o papel do homem.
Adão recusou a oferta e mandou os macacos deixarem os cavalos em paz, dizendo que era a última vez que pediria isso. Os macacos foram embora cavalgando e gritando que a peça sairia de qualquer jeito, mesmo que tivessem que colocar uma hiena no papel de humano.
O primeiro homem ficou pensando por alguns instantes. Já fazia tempo que os macacos davam trabalho, mas sempre separados. Agora que decidiram ficar juntos, a coisa iria piorar cada vez mais. E, pelo jeito, iriam levar esse negócio da peça de teatro adiante. Era hora de tomar uma providência.
Coçou o queixo e pensou que uma ajuda viria bem a calhar. E, ao olhar para baixo, descobriu algumas inscrições na areia. Estavam exatamente no local onde o leão havia sentado minutos antes.
Parecia uma série de números. Estavam em linhas tortas, mas escritos de forma certa.
Não custava tentar, pensou Adão.
Horas depois, num local muito distante – e, ao mesmo tempo, muito perto – dali, um telefone tocou. O dono do aparelho atendeu.
– Alô?
– Senhor, tem uma ligação aqui. Eu não entendi direito… É uma pessoa chamada Adão, está falando que encontrou este número escrito na areia. Acho que é a serpente passando trote.
– Não. Eu sei do que se trata. Pode passar para Mim.
– Sim, senhor. Estou transferindo. Linha nove.
– Obrigado.
– Alô?
– Adão?
– Isso! Quem é que está falando aí?
ROB GORDON
Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.