A amarga beleza do tempo que nos burila, desgastando, é ser peneira.
Melhor, batel.
Aquelas cuias em que a água roda,roda, roda, leva a lama e a poeira e deixa apenas as faíscas, luzentes, que antes de encantarem os homens com seu valor tiveram valor por encantá-los.
Não há um ano que termina, nem outro que começa.
Há apenas a parada reflexiva, o tempo de olhar para o que não olhamos nos outros dias, nas suas iguais vinte e quatro horas, nas suas idênticas meia-noites.
Divido a minha, com vocês, meus parceiros de todos os dias.
Não sou um sabichão a deitar conceitos sobre política e economia.
Cada coisa que afirmo não apenas custa ler, pesquisar, duvidar como também me deixa dúvidas que a temeridade necessária atropela.
Mas, como vocês, tenho lá minhas certezas.
Tem um guri ali, tão doce, dormindo o sono que só as crianças sabem dormir.
Tem outro lá em São Paulo, que não é doce por puxar o pai, mas que neste dia há de estar doce, porque tem um filho a caminho e vai, agora, acabar de me compreender e, talvez, perdoar os erros.
E ainda outra lá, no meio da neve, na sua bolsa de pós-pós-mais alguma coisa, que conquistou com sua dedicação persistente, que só uma dedicação persistente passaria anos a dissecar insetos e me escolheria como pai.
Vejo, nos três, como viver com razão fez deles uma mulher, um homem e um menino bons.
Meus filhos – e sei que não os ofendo ao dizê-lo – não são melhores do que qualquer vivente deste mundo.
Mas como todos os viventes deste mundo, são pedaços da grandeza humana.
O mais novo ganhou no Natal um joão-bobo, destes de super-heróis, e não se animou a socá-lo.
“Por que eu tenho de bater nele, pai?”
Como descrer do mundo ouvindo isso?
As dores, sofrimentos, desentendimentos de mais de meio século de vida foram-se, como a poeira e o barro no batel.
A vida faísca ante meus olhos.
Não a minha.
A própria vida é ouro de tolo, fugaz e vácuo, um nada.
O egoísta é um poupador de moedas, que dedica a existência a cuidar de coisas de pouco valor.
A felicidade é coletiva, ou não é.
Se não projetamos ou desejamos projetar para todos nossas pequenas alegrias, elas se tornam amargos privilégios.
Se não formos um país, se não formos uma nação, seguiremos sendo selvagens.
Selvagens, diga-se, com muito bons modos, mas selvagens que se nutrem de infelicidade de milhões.
Comecemos 2014 celebrando o que somos capazes de reter, quando o tempo nos vai sublimando.
Vão-se os ódios, as intransigências.
Das certezas rasas sobre tudo sobram apenas as profundas e preciosas sobre o que realmente importa.
Talvez, entre estas, nada seja mais importante do que aquela que nos serve de energia para não esmorecer.
A certeza de que a história humana é essa busca por felicidade.
E que ela é um sol que não se alcança, mas que nos ilumina e orienta.
Que morre no final do dia, mas sempre renasce na manhã e banha a todos.
E a manhã, agora, aqui, no Rio, faísca como a esperança.
Um bom dia, um bom ano, um 2014 onde todos caminhemos para o sol, nessa inevitável busca pela felicidade.
por Fernando Brito no Tijolaço
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