Crônica semanal de Luis Fernando Veríssimo

Tem havido protestos de grupos religiosos contra a reencenação de “Jesus Cristo Superstar”, em São Paulo. Pensei que essa guerra já tivesse terminado, na ingênua suposição de que até as mentes mais obscuras, com o tempo, se iluminam — ou pelo menos se dão conta do seu ridículo.
A ópera-rock de Andrew Lloyd Webber e de Tim Rice já tem quase 50 anos. Deu um belo filme de Norman Jewison, e é um relato emocionante dos últimos dias de Jesus Cristo que deve ter motivado mais jovens a se interessar pela sua história do que qualquer catecismo da Igreja.
Quem se horroriza com a versão roqueira de Cristo ignora a tradição da arte renascentista de atualizar as cenas da Paixão, representando-as com roupas e interiores da época dos artistas, sem que isto fosse considerado blasfêmia e provocasse protestos. 
Há alguns anos a Igreja conseguiu que fosse proibida a exibição no Brasil do filme “Je vous salue, Marie”, do Jean-Luc Godard. Motivo: uma versão moderna da Virgem Maria aparecia com os seios nus. Ignorada pelos ignorantes, no caso, foi outra tradição da arte religiosa, a das virgens lactantes, que aparecem em várias pinturas com os seios à mostra amamentando o menino Jesus.
No seu filme, Godard humanizava a figura de Maria e trazia para atualidade, e para uma reflexão intelectual adulta, o mistério de dogmas como o da Anunciação e o da Concepção Imaculada. De novo, uma expressão da experiência religiosa muito mais consequente e inspiradora do que a retrógrada instrução das igrejas.
INJUSTIÇA

Andrew Lloyd Webber e seu colaborador Tim Rice são figuras curiosas. As letras de Rice são consideradas melhores do que as músicas de Lloyd Webber, mas são as melodias deste que colam na memória.
Os dois revolucionaram o teatro musical com espetáculos como “Jesus Cristo Superstar” e “O fantasma da ópera”, mas não eram muito considerados no meio. Era até prova de mau gosto musical revelar uma admiração por Lloyd Webber, e quanto mais sucesso ele fazia, mais crescia a resistência.
Desde que acabou a parceria com Rice, Lloyd Webber anda meio por baixo. Seu último musical foi um fracasso, em Londres. Mas acho injusta a crítica que lhe fazem, de pouca sofisticação, em contraste, por exemplo, com um Stephen Sondheim. Ele fez pelo menos dois musicais extraordinários, o acima citado “Superstar” e “Evita”, que é teatro político quase ao nível de um Brecht. E o que Alan Parker fez da peça no cinema, com a Madonna no papel de uma convincente Evita, está na minha lista dos filmes mais sub apreciados da História.