Algumas reflexões:
Hoje, 29 de abril de 2014, faz um ano que fui excomungado da Igreja Católica após me negar a retirar da internet reflexões sobre a moral sexual da igreja e a pedir perdão por ter feito estas reflexões.
Parece paradoxal, mas não é: a minha recusa a retirar o material da internet e de pedir perdão por ter livremente refletido foi se confirmando durante este ano como pura coerência com a fé cristã e a minha missão de padre.
Durante este ano ficou para mim muito claro que não pedir perdão significou dizer NÃO à falta de reflexão da igreja. Significou defender o fundamental da dignidade da pessoa humana: a possibilidade de refletir e a liberdade de expor seu pensamento.
Durante este ano ficou claro que não pedir perdão significou que ser padre não é ser um operário de uma instituição, mas sim ser alguém que tem por obrigação viver os critérios pregados e vividos por Jesus Cristo: o amor a Deus e o amor ao próximo.
Durante este ano ficou claro que a recusa de pedir perdão foi assumir a atualização do amor ao próximo para os dias atuais. Afinal, como posso amar meu próximo exigindo que homossexuais, lésbicas, transexuais vivam como celibatários? Como posso amar meu próximo se não compreender que a sua sexualidade é uma Benção de Deus e que a sua não aceitação é uma doença da sociedade que justamente não reflete, não estuda, não quer compreender a natureza humana?
Neste um ano de excomunhão ficou para mim mais nítido como as religiões cristãs precisam de uma leitura mais lucida da Bíblia e, principalmente, necessitam compreender que o texto bíblico não contém somente a Palavra de Deus, mas também visões de mundo estóicas, judaicas e helenistas típicas da Antiguidade, de uma época na qual o homem não conhecia a natureza humana e sua sexualidade como as conhecemos hoje.
Ficou claro neste um ano como excomungado o perigo de as religiões formarem pessoas com mentes dogmáticas e fundamentalistas, mentes que reproduzem esta forma de pensar o mundo em outros setores como política, sociedade ou meios de comunicação.
Ficou claro para mim a importância de aprofundar o diálogo entre fé e sexualidade. Principalmente nos momentos em que estive com os grupos LGBT (como, por exemplo, ao receber o Prêmio Rio Sem Preconceito). Pude perceber, com mais nitidez, a violência e as mortes provocadas pela homofobia.
Hoje, depois de um ano, me sinto mais Padre. Eu poderia estar tentando constituir uma família, desenvolvendo projetos particulares e até ter me filiado a algum partido político para concorrer nas eleições deste ano (convites não faltaram). Mas, ao invés de tomar qualquer outro caminho, me mantenho padre e me sinto chamado a ser padre. Me mantenho na integridade de padre e na obrigação de difundir a mensagem de um Deus todo amoroso que deseja o amadurecimento e a felicidade de toda a humanidade.
Continuo movendo um processo na Justiça comum contra a Diocese de Bauru. Não por vingança, mas porque acredito que minha excomunhão foi ato injusto e precipitado, que desrespeitou o direito do contraditório que deve existir em qualquer processo de julgamento. Continuo com o processo judicial porque o que é justo tem de ser feito. Como o Papa Francisco foi ao hotel, no dia seguinte de sua nomeação, pagar sua hospedagem, assim a justiça tem de ser feita: a instituição Igreja precisa compreender que não pode tratar as pessoas como objetos descartáveis quando se tornam “inconvenientes”.
Este um ano de excomunhão foi um ano de aprendizagem sobre a natureza humana, sobre a nossa humanidade, principalmente, nos momentos de encontro com a comunidade LGBT.
Depois de um ano de excomunhão, continua a alegria de poder fazer alguma coisa para que nossa sociedade se torne mais humana. Continua a alegria de ver meu último livro sendo lido e comentado (“Verdades Proibidas”). Continua a alegria de ser pelas pessoas chamado de padre. Continua a alegria de ser convidado a celebrar o casamento de pessoas. Continuo sendo chamado para celebrar o enterro das pessoas. Enfim, continuo com a minha missão de estar com as pessoas em seus momentos alegres e tristes.
*Roberto Francisco Daniel, mais conhecido como Padre Beto, foi punido pela Diocese de Bauru após defender o direito de homossexuais em suas celebrações
na Carta Capital