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Senna, seu filho da puta
Essa manhã fria de feriado tem cheiro de domingo. Domingo daqueles nos quais sentava ao lado de meu velho no sofá, aguardando ansioso pelos ruídos de bestas motorizadas. Na época não me dava conta, mas estava assistindo a história ser feita diante de meus olhos.
Mais que ver pontos sendo ganhos, me sentia um molecote na garupa de alguém que guiava pela vitória:
Link YouTube | Sir Jackie Stewart, tricampeão da F1, leva uma cortada ao entrevistar Senna
F1 nunca foi esporte pra torcer por equipes, ao menos pra mim. Torcia pros pilotos, torcia pro Senna. Suas corridas tinham dois narradores: um patriota e histérico Galvão Bueno de quem eu gostava muito pela empolgação; e meu pai. Um e outro ponderavam pontos das disputas, me fazendo sentir em meio a uma perigosíssima e arriscada aventura no asfalto.
No cockpit, Ayrton corria pelo impossível.

Em 1984, guiando uma lenta Toleman em sua temporada de estréia, arrancou um absurdo segundo lugar em Mônaco, em corrida encerrada mais cedo por conta da chuva – e, alguns dizem, para favorecer Prost.
Na Lotus, no ano seguinte, ele teve sua primeira vitória na segunda corrida, em Portugal, deixando todos os demais pra trás em uma volta(!).
Em 1987, ainda na Lotus, ele venceu em Mônaco com mais de 30s de diferença para o segundo colocado.
Em 1988, superou Prost nas qualificatórias de Mônaco por incríveis 1.427s, na experiência transcendental do vídeo que abre esse artigo.
Na temporada de 1988, Senna e Prost guiavam a lendária McLaren MP4/4, o monoposto mais dominante da F1 – vencedor de 15 das 16 provas da temporada, liderando 93% de todas as voltas.
Debaixo de temporal, em 1993, deu aula a Prost e Schumacher numa das voltas mais espetaculares de minha memória.
O Direito pela Vitória” é, inequivocamente, o título de um dos documentários a seu respeito. Assistir Ayrton era se permitir ser criança. Criança não tem filtros, quer algo e quer, tal qual era o ímpeto de Senna. E por isso chuto tantos homens feitos terem se apaixonado pelas manhãs de domingo.
Acima de todas, sua vitória de 1991 em Interlagos foi a que mais me marcou. A prova tranquila se transformou em drama, quando, a 20 voltas do fim, perdeu a quarta marcha. Depois, nenhuma marcha funcionava sem que tivesse que segurar a alavanca de marchas para que ela permanecesse engatada. Ele precisou segurar a alavanca de câmbio com a mão direita e pilotar com a esquerda.
Ao final, tinha somente a sexta marcha funcionando. A duas voltas do fim, chuva! Cruzou a linha de chegada aos berros e precisou de ajuda para sair do carro, tamanha era a dor que sentia. No pódio, mal conseguia levantar o troféu de sua primeira vitória no Brasil pilotando um F1.
Link YouTube | Assistir os dois primeiros minutos sem chorar, eu não dei conta

Humano, ponderado e sacana

No Roda Viva em 1986, aos 26 anos, ele falou que o mais importante a um campeão era “calma e tranquilidade. e uma boa assessoria. (…) saber dar uma reduzida quando necessário e entender que tudo tem seu tempo”. Aham, campeão e frear na mesma frase. Por mais que se pinte, ele nunca foi um gênio solitário. Era também falho, calculista e estratégico, ciente de sua imagem pública e da importância de grandes equipes. Narrativas de egos indomáveis alimentam manchetes, mas não vencem campeonatos.
Abaixar a cabeça, aprender e escutar foi dos principais talentos de Ayrton.
A definidora rivalidade com Alain Prost não era, afinal, marcada por ódio. Pouco antes de sua morte, dirigindo em Imola numa transmissão narrada pelo já aposentado Prost, ele disse, “Ao meu amigo Alain, nós sentimos sua falta”. O Senna de minha lembrança não é o campeão supremo. É o homem que buscava ir além de si mesmo, como todos nós. Pra ele, calhava de encontrar isso guiando a 300km/h em busca do pódio.
Senna, seu filho da puta, há 20 anos sentimos saudades.
Essa é nossa homenagem, ilustrada por Felipe Franco, com fala da entrevista “Racing is in my blood”, de 1991.
E pra você, qual seu momento inesquecível com Senna?
Guilherme Nascimento Valadares


Interessado em boas conversas, redes, economia da atenção, em criar negócios que não se pareçam com negócios e no futuro do conteúdo. Formado em Comunicação, trabalha há nove anos com comunidades digitais. Na interseção desses pilares, surgiram o PdH, o Escribas e o lugar.

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