Viver sem smartphone

o telefone celular é uma invenção incrível. se você precisa dele.
Resisti bravamente ao meu primeiro celular. só cedi quando fui contratado de assistente particular de um executivo norte-americano montando uma start-up de internet no rio de janeiro. parte integrante do trabalho era estar sempre disponível para ele.
Quando fui morar nos estados unidos, também passei o primeiro ano sem celular.
Em são francisco, eu estava começando a sair com uma pessoa e ela simplesmente não acreditou em mim:
“pode me dar o número, vai. juro que não sou grudenta. não vou ligar todo dia!”
Celular já era tão ubíquo que ela sinceramente achava mais provável eu estar lhe dando o cano do que ter escolhido não ter essa engenhoca.
Minha rotina era simples: eu ou estava em casa, no meu fixo, ou estava em sala de aula, e não podia atender. então, pra quê celular?
Acabei comprando um celular por outro motivo prático e bem específico: eu não tinha carro e nova orleans era uma cidade com transporte público catastrófico, poucos táxis e quase nenhum telefone público. sem um celular para chamar táxis, minha mobilidade ficava muito restrita.
Ainda assim, estou invicto em smartphones. se alcoólatra não pode beber, muito menos carregar a garrafa no bolso. se eu tivesse a internet comigo sempre, nunca mais olharia para cima. me tornaria mais uma daquelas pessoas incapazes de qualquer interação humana que não seja mediada por um retângulo luminoso.
Enfim, em um dia dos namorados particularmente feliz, voltando de um passeio lindo com a pessoa que eu amo, esqueci o celular no táxi e, talvez influenciado pela alegria, decidi que pronto, não teria mais celular. chega de andar com essa coleira no bolso.
* * *
Um amigo tentou me convencer que ele precisava sim, e muito de celular.
Mas, conversando sobre sua rotina, apontei que ele passava quase todo o seu tempo ou no trabalho ou em casa (dois lugares onde havia telefone fixo), ou dirigindo entre esses dois pontos (e é proibido usar celular nessa situação). nos fins de semana, ele passava 90% do tempo em casa, dormindo, vendo tv, fazendo churrasco, brincando com os filhos, transando com a esposa. Ou seja, ele precisava tanto de celular… exatamente quando?
As poucas horas em que ficava “descoberto” (como se não ter celular fosse um perigo de vida) justificavam mesmo não só o enorme custo financeiro de um celular, mas também, muito pior, o enorme custo psicológico de ter essa coleira sempre no bolso, sempre nos puxando, sempre nos chamando, sempre nos distraindo, sempre nos impedindo de estar plenamente no momento?
Não estou criticando o celular. se eu voltar a precisar, eu voltarei a ter. O celular é uma engenhosa invenção humana. assim como a diálise. mas eu também só filtraria meu sangue se fosse realmente necessário.
Hoje, para mim, celular não é. Mas, outro dia, uma amiga me disse:
“ai, alex, você não entende! e se precisarem falar comigo numa emergência?”
e eu respondi:
Quantas vezes, de fato, de verdade, já te chamaram numa emergência? você tem realmente tantas emergências assim na sua vida?
Pense em quanto dinheiro você gastou em celulares desde que comprou o seu primeiro, quinze anos atrás. some o custo do aparelho, da assinatura, das ligações adicionais, dos apps que comprou, das capinhas descoladas, etc. (vai ser um número bem grande.) agora, divida esse número pelo número de emergências nas quais você salvou a sua vida ou a vida de alguém por ter celular.
No meu caso, não dá pra dividir cinquenta mil reais por zero. já gastei cinquenta mil reais me preparando para estar preparado para essa pretensa emergência que nunca aconteceu. Desisti.
Mesmo se eu não conseguisse chegar a tempo para tirar o meu pai da forca, sei que me perdoaria: ele é economista e sabe que, pra mim, economicamente falando, ter celular não faz sentido.Leia Também: prisão dinheiro e, na sequência, a prisão trabalho.

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