Laerte e o amor à ambiguidade, por Rosane Pavam - Carta Capital



O artista popular proseia enquanto versa. É prosaico enquanto eleva. Nada fácil para Laerte Coutinho, com seu talento de melhor traço, ainda desenhar as contradições com leveza. Nada fácil ser menina. O que parece contentá-lo é o amor à ambiguidade, ao humor que tudo golpeia, porque tudo é preciso refazer. Trezentos originais e 2 mil itens nesta vigésima edição da Ocupação Itaú Cultural mostram o percurso de quatro décadas deste grande artista popular do Brasil.


Alguém que, nos célebres quadrinhos de A Insustentável Leveza do Ser, desenhou a possibilidade de sua família não ser exatamente a sua, enquanto você pode ser mais do que é. Do pobrezinho Deus à fúria capaz de resolver conflitos nos Piratas do Tietê, ao espelho televisivo, aos heróis sem pose, ao sarcasmo ou à joia de pensar, tudo se encaminha nesta exposição para que se dê o domínio de Laerte sobre a dúvida.
Eis por que as fotografias de sua pessoa ali presentes, possuída de vestidos, colares, bocas e coques, estendem-se como uma ilustração bastante explícita do que já se intui ao ler Laerte. Prosa e verso, o artista tem muitas faces, como explica seu filho Rafael Coutinho, outro desenhista dos bons e curador da exposição: “Neste labirinto que é a sua obra, existe uma criatura que ronda, tal como no mito do Minotauro. Inquietação ou angústia, um superego solto, uma entidade sem sexo, que, acuada, ataca. Vive dentro do artista ou é parte dele. Exoesqueleto que o controla e o direciona. Pode ser o próprio Laerte, criatura entre nós. Ele, meu familiar pai, um monstro”.
Ocupação Laerte
Itaú Cultural, São Paulo
21 de setembro a 2 de novembro
itaucultural.org.br/ocupação



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