Papo de homem

Antes de mais nada, tenho aqui um vídeo bem bonito do TED, de uma conversa oferecida pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, sobre os perigos da “história única”.

Quando criança, lia os livros de autores britânicos e, por ter apenas essa referência — a história única — em mãos, quando escrevia suas próprias histórias, contava as tramas de crianças brancas que corriam pela neve e todas referências daquela cultura saxã e distante da sua, nigeriana. depois de tempos, ela teve contato com a literatura africana e compreendeu, enfim, que poderia contar em seus romances o que acontecia com pessoas como ela.

Já na faculdade, nos Estados Unidos, ela ficou impressionada com a falta de conhecimento de sua colega de quarto, que queria saber da música tribal que ela ouvia (e ela sacou da bolsa um disco da Mariah Carey), queria saber como ela — uma africana — aprendeu a língua inglesa para falá-la tão bem, sem saber que a língua que se fala oficialmente na Nigéria é o inglês.




O que ela quer dizer é que não devemos nos contentar com apenas uma única história, que não devemos tê-la como definitiva ou definidora de qualquer coisa. Fácil ler, hoje, em meio a tanta pressa e ruído, algo que te desagrade e que se transforma, automaticamente, em algo a ser difamado e constantemente atacado. Já se sabe que, nas redes sociais, as pessoas costumam ler apenas o título de matérias e, já com opiniões formadas, passam para frente com suas conclusões. Linhas de pensamentos precipitados em cima de uma única frase de chamada.


A ansiedade cria um mecanismo de reclamação constante, como se tudo fosse para o buraco e que não há mais salvação. Tudo o que se faz é ruim, tudo o que se pensa é egoísta, tudo o que se cria é bobeira.

Eu caí nessa.

Quando se deu o boom das impressoras 3D, começou junto uma discussão sobre armas que poderiam ser fabricadas nesses aparelhos e, sendo de plástico, seriam impossíveis de serem denunciadas por detectores de metal. Tudo ainda era muito embrionário e, fora essa discussão, pessoas estavam fazendo miniaturas de si mesmas nas impressoras.

Ora, se o maior avanço da tecnologia naqueles tempos era uma máquina que fazia metralhadoras de plástico e Jaderes em tamanho menor, eu só podia — dentro do meu achismo mesquinho — concluir que impressoras 3D eram nada mais do que mais uma imbecilidade da humanidade. O máximo de esperança que eu tinha era em um projeto de substituir o gesso em caso de fraturas para um exoesqueleto construído em 3D, mais leve e aberto (para a pele respirar) e bonito.

Mas ainda eram 2 contras e um a favor. Minha história única favorecia o não agrado com as impressoras.

E aí pipocou em tudo que é lugar o garoto de 3 anos que ganhou, por ter um problema congênito na mão que fez com que seus dedinhos não se desenvolvessem, uma prótese feita em impressora 3D por um grupo voluntário que tem o formado da armadura do Homem de Ferro!

Enquanto eu desistia, pessoas estavam pensando e fazendo coisas fodas. E que foda!

E aí foram só agradecimentos eternos aos que continuam pensando e fazendo coisas fodas, planos simples e que beneficiam pessoas fortemente. Sempre haverá um babaca pensando em fazer, claro, babaquice. Sempre teremos pessoas deturpando um surgimento bacana. Mas enquanto pessoas fodas pensarem coisas fodas, estamos garantidos.

Por favor, continuem pensando em coisas fodas.


O projeto E-nabling
E-nabling the future é um projeto que reúne uma série de voluntários especializados em impressoras 3D com o intuito de criar próteses de plástico para quem precise delas. Simples assim.


Um grupo de pessoas que trabalham com essas máquinas, engenheiros, profissionais médicos, pensadores, professores, alunos, artistas, filantropos, pais e pessoas de todos os calibres que estejam dispostas a colaborar para criação dessas belezinhas.


JADER PIRES
É escritor e editor do Papo de Homem. Lançou, nesse ano, seu primeiro livro de contos, o Ela Prefere as Uvas Verdes e outras histórias de perdas e encontros.