A fábula petista, por Frei Betto

no Folha de São Paulo

A disputa presidencial se resumiu em um verbo predominante na campanha: desconstruir. Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim, um Brasil melhor, com índices sociais "nunca vistos antes na história deste país". Porém, como partido, houve progressiva desconstrução.
A história do PT tem seu resumo emblemático na fábula "A cigarra e a formiga", de Ésopo, popularizada por La Fontaine. Nas décadas de 80 e 90, o partido se fortaleceu com filiados e militantes trabalhando como formigas na base social, obtendo expressiva capilaridade nacional graças às Comunidades Eclesiais de Base, ao sindicalismo, aos movimentos sociais, respaldados por remanescentes da esquerda antiditadura e intelectuais renomados.
No fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância formação política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se destacava como o partido da ética, dos pobres e da opção pelo socialismo.
À medida que alcançou funções de poder, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto presunçoso da cigarra. O projeto de Brasil cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do partido, antes abastecido por militantes, "profissionalizou-se". Os núcleos de base desapareceram. E os princípios éticos foram maculados pela minoria de líderes envolvidos em maracutaias.
Agora, a cigarra está assustada. Seu canto já não é afinado nem ecoa com tanta credibilidade. Decresceu o número de sua bancada no Congresso Nacional. A proximidade do inverno é uma ameaça.
Mas onde está a formiga com suas provisões? Em 12 anos, os êxitos de políticas sociais e diplomacia independente não foram consolidados pela proposta originária do PT: "Organizar a classe trabalhadora" e os excluídos.
Os avanços socioeconômicos coincidiram com o retrocesso político. Em 12 anos de governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade com alianças partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com seu esteio de origem, os movimentos sociais.
Tomara que Dilma cumpra sua promessa de campanha de avançar nesse quesito, sobretudo no que diz respeito ao diálogo permanente com a juventude, os sem-terra e os sem-teto, os povos indígenas e os quilombolas.
O PT até agora robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma agrária. Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens. Respaldou o agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem desmata e agride o meio ambiente.
É injusto e ingênuo pôr a culpa da apertada e sofrida vitória do PT nas eleições de 2014 no desempenho de Dilma.
Se o PT pretende se refundar, terá que abandonar a postura altiva de cigarra e voltar a pisar no chão duro do povo brasileiro, esse imenso formigueiro que, hoje, tem mais acesso a bens materiais, como carro e telefone celular, mas nem tanto a bens espirituais: consciência crítica, organização política e compromisso com a conquista de "outros mundos possíveis".
CARLOS ALBERTO LIBANIO CHRISTO, 70, o Frei Betto, é assessor de movimentos sociais e escritor. É autor de "A Mosca Azul - Reflexão sobre o Poder" (Rocco), entre outros livros

3 comentários:

  1. Mais um que a pretexto de colabrorar com o PT, aproveita para avacalhar. Aqui Frei Betto, sabe qtos partidos existem no Brasil? Viu qtos deles se uniram para detonar o PT de 2005 até 2014? O Sr. tem alguma coisa a dizer dos outros, especialmente com relação à ética? Parece ético ao senhor, aliar-se ao que de mais imundo existe na sociedade brasileira com o objetivo único de destruir um partido? Eu não me lembro do senhor e outros éticos virem postar acerca da farsa midiática, que hoje se desmonta com o fim último de aniquilar as principais lideranças de um partido na tentativa de inviabilizá-lo. O fato é que o Brasil escolheu o PT; vai ver não somos tão éticos qto o senhor; os melhores de todos estão na mesma mesa que Gurgel, Merval, JB, Gilmar Mendes, Demóstenes Torres, etc... Não acredito que o senhor queira valer-se de " Mensalão" para incensar a direita mas a probabilidade de estar fazendo isso para tentar faturar politicamente, como alguns partidos de esquerda fizeram é muito grande. Vou repetir, não ouvi uma única voz da esquerda contra a tentativa de golpe do judiciário; não fossem as formigas do PT a empreitada teria sido um sucesso e o senhor e outros viriam culpar o PT.

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  2. Regra número 1 e única: jogue nas costas do PT. A cada eleição, os verbos que pululam são sempre os mesmos, "refundar", "reinventar", e por aí vai. Graves e circunspectos, pontificam: "o PT afastou-se das bases" e dê-lhe malho. Decerto o PT deveria ter uns 100 mil contratados para atuar em cada bairro, de casa em casa, qual pregadores evangélicos. Nada, rigorosamente nada se cobra dos demais partidos, cabe exclusivamente ao PT a responsabilidade de politizar o país! A despolitização do eleitorado, conduzida magistralmente pelos meios de comunicação, é culpa do PT e dos seus 100 mil "evangelizadores" que não foram contratados pelo Partido. No mais, Frei Beto, como é sabido, gosta mesmo é de reunir celebridades para longos retiros espirituais, onde deita falação inócua. Arregace as mangas, Frei, chega de retórica vazia. No mais, Emir Sader, hoje no Facebook:

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  3. Que o PT precisa mudar, para estar à altura dos desafios atuais, nenhuma duvida. Mas não contribui em nada meter o pau no PT, como ele fosse, sozinho o responsável dos problemas, sem propor os caminhos que o partido deve tomar. Que não sejam simplesmente as cantilenas vazias do tipo: voltar às bases, sair às ruas, voltar às suas origens - expressões vazias, despolitizadas, que nao resolvem nada, por si sós. Que tipo de partido se precisa hoje, depois das transformações que o pais viveu, no mundo atual, nas condições distintas das que tinhas mos ha 20 anos? Alem de que: de que movimentos populares precisamos - porque o PT é parte da esquerda, nao responde sozinho por tudo o que a esquerda faz e não faz.

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