Em certos momentos,fatos que parecem menores adquirem uma importância inesperada. O que distingue uma coisa da outra é a conjuntura política.
Na segunda-feira passada (17/11), o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público tomou uma atitude que merece um aplauso prolongado e vários momentos de reflexão.
Afastou por 90 dias o procurador Davy Lincoln Rocha, do Ministério Público em Joinville, Santa Catarina, que, em tom de provocação, divulgou pela internet um apelo às Forças Armadas, sugerindo uma intervenção militar no país. Dirigida a oficiais superiores, a “Carta Aberta às Forças Armadas define o sistema político brasileiro criado pela Constituição de 1988 como “simulacro de democracia, onde um único poder, o PT, suprimiu os demais” e faz um elogio absurdo ao golpe de 1964: “quando o Brasil se encontrava na beira do abismo, prestes a cair nas mãos do Comunismo, da baderna generalizada, os senhores se apresentaram e devolveram um país democratizado, estável, a salvo de ter-se tornado uma republiqueta de bananas. Teríamos nos tornado uma gigantesca Cuba, ou uma Venezuela, ou mesmo uma Bolivia, não fossem os senhores.”
Quando se refere aos militares do Brasil de 2014, o procurador evita toda sutileza. Diz que se mostram “calados, tímidos, de cabeça baixa” diante da “corruptocracia que dominou aquilo que outrora chamávamos Brasil.”
Fazendo críticas diretas ao governo Dilma, o procurador define o programa Bolsa Família como “uma genial estratégia de compra de votos”, que deixa 40 milhões de brasileiros “entre a opção de passar fome ou trocar seu voto por um carrinho de supermercado.” Acusa o “Mais Médicos de manter “escravos da ditadura cubana”.
Num momento inacreditável, o texto chega a elogiar os trabalhos de espionagem do governo norte-americano no Brasil: “em boa hora a democracia americana já se acautela em obter informações”.
Na mesma passagem, o procurador condena a posição das Forças Armadas, que cumprem a determinação constitucional de manter-se como um poder subordinado ao regime democrático: “enquanto os senhores, cabeças baixas, batem continência a tudo isso.”
Por iniciativa do conselheiro Luiz Moreira, o CNMP debateu e aprovou um Prodecimento Administrativo Disciplinar contra o procurador. O conselheiro lembrou que ao sugerir uma intervenção militar, Davy Lincoln “utilisa de suas prerrogativas para manchar o regime democrático e a soberania nacional.” Para Luiz Moreira, o procurador cometeu crime contra a ordem democrática e demonstrou ausência de decoro pessoal.
Em situações normais, a carta do procurador e a reação do Conselho Nacional do Ministério Público poderia ser vista como um assunto interno, de interesse restrito a corporação. Num país onde a fraqueza dos compromissos democráticos de vários setores da oposição tem estimulado passeatas contra a democracia e até manifestações vergonhosos a favor de um golpe militar, sua importância é outra. O inconformismo contra a consolidação — pelo voto popular — de um projeto de combate à desigualdade e por melhorias na condição de vida dos mais pobres tem levado a comportamentos a margem da lei e do que é razoável do ponto de vista político.
Por essa razão, o afastamento do procurador por 90 dias é um bom exemplo para o país. Foi a primeira reação institucional ao surto de proclamações golpistas que tem ocorrido no país.
Não é pouca coisa, até porque não faltam exemplos daquilo que não deve ser feito. Amanhã, terá passado uma semana desde que, graças a uma reportagem de Julia Duailibi, publicada pelo Estado de S. Paulo, o país ficou sabendo que delegados da Polícia Federal em posição de comando na operação Lava Jato passaram a reta final da campanha presidencial distribuindo material de propaganda anti-PT e pró-Aécio Neves pela internet, num comportamento condenado pelo Regimento Disciplinar. Embora o Ministério da Justiça tenha anunciado a abertura de um inquérito, até agora nenhuma medida disciplinar foi tomada.
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