Política e Economia - O ajuste e o abismo




Nestes dias em que o governo Dilma debate a troca na equipe econômica, nunca é demais recordar o efeito devastador dos pacotes de austeridade sobre governos que têm um compromisso histórico com a defesa do bem-estar da maioria da população.
Há uma regra elementar e universal.
A aplicação de planos de austeridade faz parte do currículo histórico dos partidos conservadores. O eleitor — aliado e adversário — espera que façam isso. Acredita na visão de que é preciso fazer o bolo crescer primeiro para dividir depois. Por razões que não é difícil de entender, os sacrifícios, para grande parte destes eleitores, não são um problema. São o começo da solução.
Para entender o que acontece com partidos progressistas, comprometidos com a distribuição de renda e a proteção dos mais pobres, convém olhar para o mapa da Europa de hoje.
Os socialistas  e social-democratas europeus sofreram a maior parte dos custos eleitorais do ajuste forçado pela hecatombe de 2008-2009, embora nem de longe pudessem ser apontados como os principais responsáveis pelo  cemitério econômico em que se transformou o Velho Mundo.
Na Espanha, o PSOE não consegue se levantar nem com ajuda de sucessivos escândalos ligados aos conservadores.
Na França, François Hollande humilha eleitores e aliados com um desempenho abaixo de qualquer patamar histórico, que permite aos fascistas do Front National exibir garras cada vez mais ameaçadoras.
Na Grécia, expressão inicial da crise, o social-democrata George Papandreau foi deposto pelo Congresso porque pretendia realizar um plebiscito onde a população deveria se pronunciar sobre um pacote de austeridade. Não era um ato de resistência, como se poderia pensar, mas uma forma de dividir responsabilidades — Papandreau era a favor das medidas de sacrifício, só achava prudente que tivessem o respaldo da maioria nas urnas.
Quem tenta entender a permanência de Angela Merkel em seu posto na Alemanha descobre o seguinte. Ela só foi vitoriosa no último pleito porque fez, em casa, o contrário do que prega na economia dos países vizinhos.
Favorável às medidas mais brutas de austeridade na União Européia, Merkel protegeu o emprego e a maioria das políticas sociais junto ao eleitorado alemão — e é isso que explica o apoio que exibe até hoje, embora o baixo crescimento atual, provocado pela recessão na vizinhança, comece a tocar em seus calcanhares. Cabe compreender o aspecto prático da questão. Merkel não sobreviveu politicamente porque praticou uma política clássica de austeridade na Alemanha — mas porque teve o discernimento de evitar que chegasse a seu país, ao menos por alguns anos.
Trocando os sinais, chegamos ao desempenho de Barack Obama nas eleições legislativas.
A vitória republicana não é uma demonstração de que a maioria dos norte-americanos quer austeridade ou Estado Mínimo.
Os eleitores democratas se abstiveram, ficaram em casa, sem animo para defender seu governo, porque preferiam menos austeridade. Gostariam que a economia tivesse se recuperado mais depressa. Não gostaram de descobrir que, enquanto o país inteiro caminhava para o sacríficio, os senhores do mercado financeiro seguiram embolsando bonus muito além da linha da decência. Também estão desencantados com um sistema político com imensa dificuldade para garantir um patamar de dignidade mínimo a todos, a começar por um sistema de saúde razoável. Não rejeitavam Obama por princípio. Queriam que ele tivesse sido mais Obama.
São questões que cabem discutir no Brasil.
A marca da distribuição de renda, do emprego e do consumo explicam a vitória em 26 de outubro — numa campanha desigual e injusta. A polarização política da reta final trouxe seus benefícios para Dilma, que investiu acertadamente no conflito entre classes. Mas  o confronto também deixou uma contrapartida.
Nenhum eleitor acharia estranho se, em caso de vitória, Aécio Neves começasse a baixar as célebres “medidas impopulares” anunciadas na campanha.
Acredito que Dilma perdeu entre dois e quatro pontos em função do golpe eleitoral midiático dos últimos dias. Mesmo assim, o desempenho eleitoral de Aécio Neves não deixa de ser um assombro, considerando o fraquíssimo currículo do PSDB na defesa do bem-estar da maioria dos brasileiros, que é o principal fator de decisão na hora do voto.


O Manchetômetro jogou um peso imenso, nesta eleição. O apoio dos grandes meios de comunicação não chega a ser um fato novo nem deve ser minimizado. Apenas foi renovado.
O PT perdeu votos para o protesto de antigos eleitores. É ilusório pensar que a mudança ocorreu nas residências de seus adversários tradicionais.
Dilma foi vencida no cinturão de trabalhadores do ABC paulista, e também nos bairros pobres da periferia de São Paulo, onde Fernando Haddad garantiu a vitória em 2012 — onde Celso Russomano renasceu como o deputado mais votado da temporada.
É este eleitor que deve ser conquistado pela política econômica do segundo mandato — ou será perdido em 2016, numa situação muito mais difícil.

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