O placar apertado contra Aécio Neves (PSDB) na eleição presidencial de 2014 é mais do que um sinal de certa insatisfação com o primeiro mandato de Dilma Rousseff ou de forte desejo de mudança na política por grande parte da população. É, para o PT, um aviso de que não há mais como protelar as reformulações necessárias para sobreviver ao antipetismo que hoje se prolifera Brasil afora, tendo no estado paulista suas raízes mais profundas.
Em entrevista exclusiva à equipe do GGN, o presidente nacional do PT Rui Falcão disse que a legenda vem introduzindo alterações em suas estruturas há um tempo, mas que o processo de reformulação deve chegar ao ápice em junho de 2015, quando o 5º Congresso petista se encerra. Os resultados das eleições, inevitavelmente, serão debatidos, pois as inúmeras derrotas em cidades onde o PT administra é alarmante. O "chiclete da corrupção" colado ao PT após a AP 470 motivou um estudo de imagem.
Rui Falcão ainda projetou uma presença mais constante de Lula no segundo mandato de Dilma. Segundo ele, isso será necessário porque agora a conjuntura é outra. O dirigente citou que as forças de oposição ainda não digeriram bem o resultado da corrida presidencial e fomenta constantemente um sentimento golpista contra a presidente.
A reforma política e a regulamentação da mídia foram citadas pelo presidente nacional petista como as principais demandas do PT junto ao governo Dilma. Nos dois casos, Rui Falcão falou em mobilizar a sociedade para forjar um “contra-poder” às instituições resistentes, pois é evidente que os dois projetos mexem com interesses de setores que não querem perder privilégios.
Confirma os principais trechos e assista à entrevista cedida em 21 de novembro:
Da reformulação do PT
Nós iniciamos nessa mudança com o início do 5º Congresso do PT, quando alteramos o estatuto para introduzir duas mudanças importantes. Primeiro, que todas as nossas direções têm metade mulher e metade homem, ou seja, paridade de gênero. E introduzimos uma cota obrigatória de pelo menos 20% para jovens de até 29 anos.
Nós iniciamos também uma trajetória de muito rigor, seja na questão da fidelidade [partidária] ou na questão ética. Há dois casos recentes para demonstrar nossa intenção. O primeiro deles foi o caso do deputado André Vargas, que pedimos para se desfiliar sob ameaça de expulsão, e ele saiu do PT. O segundo caso, um deputado aqui de São Paulo [Luiz Moura] que também já foi expulso.
Nós teremos em junho [de 2015, em Salvador] a última etapa do 5º Congresso, com duas linhas de atuação: um balanço dos 12 anos de governo petista [no plano federal] e projeções para o [segundo] governo [Dilma]. A outra linha são as reformulações organizativas que o PT precisa fazer – fortalecendo diretórios, fazendo com que as prefeituras tenham mais projetos em termos de participação popular.
Sobre a dificuldade de assimilar os movimentos de junho de 2013
Primeiro, o governo precisa ampliar o diálogo – como a presidente colocou como ponto inicial em seu discurso da vitória. O PT procura acolher esses movimentos, principalmente a juventude, com participação nas redes sociais. Precisamos também ter uma bandeira ecológica e ambiental, que é uma lacuna nos programas do nosso partido e nas políticas das nossas prefeituras, mas é uma demanda muito justa da juventude. Temos que adequar o partido aos novos temas.
Quero fazer um recadastramento dos filiados, porque o PT não tem, na verdade, dois milhões de filiados ativos [estima-se que tenha metade]. Precisamos atualizar isso, ter mais programas de formação política, atualizar a Fundação Perseu Abramo – que produz diariamente notas de conjuntura, edita livros, faz seminários, tem cursos de formação de gestores.
O último debate que tive com Marcio Pochmann, presidente da Fundação, foi sobre como integrar melhor a produção e conhecimentos da Fundação com a formação política do PT. Inclusive propus que os dirigentes da executiva nacional tenham um curso especial de formação política, até porque tem jovens participando que não têm tradição política firmada, que não participaram de greves ou da ditadura, então essa formação pode ser muito útil.
As dificuldades no diálogo do governo com outros poderes
[É difícil mensurar essa dificuldade porque] Você ganha a eleição e toma conta legalmente de uma parte do poder do Estado, e tem outros poderes correlatos – o Judiciário, as Forças Armadas, a mídia monopolizada. São todos focos de poder que não passam pela eleição. Há uma necessidade de interlocução, mas há necessidade de saber que esses poderes têm estatuto próprio e rejeitam muito as mudanças que nós temos feitos. Então, precisa de diálogo mas também de um contra-poder. E o contra-poder para realizar mudanças e democratizar esses modelos paralelos é o movimento social. (...) O Brasil mudou muito nos últimos 12 anos. Os avanços que conseguimos também colocam resistência ao aprofundamento dessas mudanças.
O antipetismo latente em São Paulo
Nós encomendamos um estudo nacional com a Mirassol para pesquisar a imagem do PT e buscar sinais para justificar por que nos colocaram esse chiclete da corrupção. É gozado, porque na pesquisa aparece assim: qual é o partido que mais combate a corrupção? O PT. Mas o PT é diferente dos outros partidos? Não. Todos corruptos. Isso [a pecha de partido corrupto] nos prejudicou muito, e tem raízes na AP 470, o chamado mensalão, e também nessas denúncias recentes da Petrobras.
O núcleo do antipetismo – não que seja o único lugar – é São Paulo. É um setor poderoso do grande capital, que tem uma mídia monopolizada que opera permanentemente contra nós, como um verdadeiro partido político, e tem muita gente que discorda do que nós fizemos [em termos de políticas públicas]. Há aqui um partido que tem 20 anos de hegemonia [PSDB].
Há um clima muito grande de intolerância, provocação, agressividade. (...) Há um conservadorismo entranhado, e quando você amplia cidadania e cria novos direitos, cria resistência. Acho que isso precisa ser examinado pelos nossos governos: como você, ao garantir novos direitos para quem não tinha nenhum, não sacrifica setores que em função da distribuição de renda ou da mudança na economia também se sentem prejudicados. Isso não justifica a intolerância.
O papel de Lula no segundo governo Dilma
Lula é um articulador político nato, muito ouvido pela presidente. Acho que no primeiro mandato ele teve papel retraído, até para que não passasse a impressão de que ele queria mandar. Nesse segundo mandato, acho que ele estará mais presente, até porque a conjuntura agora está muito quente. Tem ameaças e um setor que se sente muito fortalecido pelo resultado eleitoral, e que questiona, indevidamente, o resultado das urnas, criando critério de que a diferença foi pequena, como se na democracia você é menos legítimo dependendo do resultado da eleição. Acho que isso vai exigir presença mais ativa de Lula.
A derrota do PT em “cidades petistas”
Um deputado falando sobre Minas dizia que, a grosso modo, é o seguinte: em 2016, se a gente não tomar providência, vamos perder as cidades que hoje o PT governa, e vamos governar aquelas onde o PSDB governa hoje [risos].
[Sobre a derrota do PT em cidades administradas por petistas] Tem o problema da questão federativa. O conjunto das prefeituras brasileiras enfrenta dificuldades orçamentárias e de demandas por serviços públicos. E nós não somos exceção. É preciso que, nesse período que vai de agora até 2016, a gente faça diagnóstico das prefeituras e tomemos providências para fazer o sucessor – no caso de alguém que está completando oito anos de governo, como é com [Luiz Marinho] em São Bernardo [do Campo] – ou garantir a reeleição em governos que se iniciaram agora, caso de Santo André [com Carlos Grana] e Mauá [Donisete Braga] – todos no ABC paulista.
Da reforma política
Nossa proposta coincide com o que a presidente Dilma propôs: realização de plebiscito para que a população opine se deseja fazer uma reforma no sistema político e eleitoral através de uma constituinte exclusiva. Mas temos dito que aprovaremos todas as propostas de reforma política que alterem o sistema atual. Tem a da OAB, da CNBB, a nossa que é mais particular e prevê paridade de gênero, consulta popular, voto em lista. A base principal da mudança é o fim do financiamento empresarial. Boa parte da corrupção existente no Brasil há décadas se deve ao financiamento privado das eleições.
Da regulação da mídia
Essa é uma questão que tem marcado bastante o que é o partido e o que é o governo. O PT, há muito tempo, coloca na ordem do dia a necessidade de ampliar a liberdade de expressão no país. E a melhor maneira de fazer isso é regular democraticamente a mídia. Trata-se de fazer cumprir os artigos da Constituição que versam sobre comunicação social, que proíbe a existência de oligopólio e monopólio, bem como prioriza a produção regional diferenciada. É isso que queremos, e isso se volta muito para a radiodifusão.
Quanto à mídia impressa, tem o projeto do senador Requião que regulamenta o direito de resposta, para evitar essas arbitrariedades que nós vimos durante o processo eleitoral – como com o episódio da revista Veja, a quem estamos processando por danos morais e crime eleitoral.
Dilma e Lula em seus mandatos entenderam que não havia correlação de forças no Congresso para iniciar a reforma, mas nós continuamos insistindo. Há uma coleta de assinaturas. E há um projeto deixado por Franklin Martins [ex-ministro das Comunicações] que é mais detalhado sobre a criação de uma agência reguladora.
Entrevista: Luis Nassif e Cíntia Alves
Imagens e edição: Pedro Garbellini