RELAÇÕES CÍCLICAS ENTRE CHINA E RÚSSIA!
(Joseph S. Nye Jr., cientista político e professor da Universidade Harvard - Fonte: Site PROJECT SYNDICATE).
1. Alguns analistas dizem acreditar que o ano de 2014 inaugurou uma nova era na geopolítica da Guerra Fria. A invasão da Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin, e a anexação da Crimeia foram respondidas com sanções pela Europa e EUA. Isso comprometeu o relacionamento da Rússia com o Ocidente, enquanto o Kremlin buscava o fortalecimento dos laços com a China. Resta ver se Moscou conseguirá construir uma aliança de fato com Pequim. À primeira vista, parece plausível. Na realidade, a tradicional teoria do equilíbrio de poder sugere que a supremacia americana em termos dos recursos que permitem esse poder deveria ser contrabalançada por uma parceria sino-russa.
2. Entretanto, aparentemente já existe um antecedente histórico dessa parceria. Nos anos 50, a China e a então União Soviética (URSS) aliaram-se contra os EUA. Depois da abertura do presidente americano Richard Nixon à China, em 1972, o equilíbrio mudou, e EUA e China uniram esforços para limitar o que consideraram um perigoso aumento do poder da União Soviética. O colapso da URSS pôs fim de fato à aliança sino-americana e deu início a uma reaproximação entre China e Rússia. Em 1992, os dois países anunciaram seu projeto de buscar uma "parceria construtiva". Quatro anos depois, eles avançaram para uma "parceria estratégica". E, em 2001, assinaram um tratado de "amizade e cooperação".
3. Nos últimos anos, China e Rússia vêm cooperando estreitamente no Conselho de Segurança da ONU e adotaram posições semelhantes na questão da regulamentação da internet. Elas utilizam entidades diplomáticas - como o grupo dos Brics composto por importantes países emergentes (com Brasil, Índia e África do Sul) e a Organização de Cooperação de Xangai (com Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão) - a fim de coordenarem suas posições. Putin estabeleceu excelentes relações de colaboração com o presidente chinês, Xi Jinping, a partir da falta de liberalismo interno comum a ambos e do desejo de se contraporem à ideologia e à influência americanas.
4. Suas relações econômicas também parecem progredir. Em maio, pouco depois da anexação da Crimeia, a Rússia anunciou um acordo de US$ 400 bilhões para o fornecimento de 38 bilhões de metros cúbicos de gás à China por ano, ao longo de 30 anos. O contrato entre a gigante estatal russa Gazprom e a China National Petroleum Corporation prevê a construção de um gasoduto de 4 mil quilômetros de extensão até a Província de Heilonjiang, na China.
É possível que isso prenuncie um relacionamento bilateral cada vez mais profundo.
5. Mas há um problema: os acordos sobre gás ampliam um considerável desequilíbrio comercial bilateral, uma vez que a Rússia fornece matéria-prima à China e importa manufaturas chinesas. Além disso, não chegam a compensar a perda do acesso da Rússia à tecnologia ocidental da qual necessita para desenvolver os campos localizados da fronteira do Ártico, e tornar-se uma superpotência energética, e não apenas uma mera fornecedora de gás da China.
6. Na realidade, os problemas de uma aliança sino-russa são mais profundos. A importância econômica, militar e demográfica da China provoca considerável ansiedade na Rússia. Além disso, o poderio econômico e militar da Rússia entrou em declínio, enquanto o da China explodiu. A ansiedade em relação à superioridade militar convencional da China provavelmente motivou, pelo menos em parte, o anúncio de uma nova doutrina militar feito pela Rússia em 2009, reservando-se explicitamente o direito de fazer uso em primeiro lugar de armas nucleares - posição que se assemelha à de força dos EUA durante a Guerra Fria. Esses desequilíbrios sugerem que a Rússia resistiria a uma estreita aliança militar com a China, mesmo que os dois países busquem uma coordenação diplomática tática mutuamente benéfica.
7. A disposição da China em cooperar com a Rússia também tem limites. Afinal, a estratégia de desenvolvimento da China depende de sua contínua integração na economia mundial - e, especificamente, da garantia de acesso à tecnologia e aos mercados americanos. Por sua vez, a legitimidade do Partido Comunista Chinês depende de um vigoroso crescimento econômico e de sua disposição de não pôr em risco essa estratégia com uma "aliança autoritária" com a Rússia. Mesmo em fóruns internacionais, a relação entre Rússia e China está muito longe de ser equilibrada. Considerando que a economia chinesa é maior do que a soma das outras quatro economias dos Brics, as iniciativas do grupo - como por exemplo, seu novo banco de desenvolvimento - provavelmente refletirão uma influência desproporcional da China. Além disso, China e Rússia continuam concentradas na luta pela influência na Ásia Central.
8. A aliança sino-russa do século 20 foi uma consequência do enfraquecimento da China depois da 2.ª Guerra e no início da Guerra Fria - e, mesmo então, durou pouco mais de dez anos. A China de hoje é uma nação forte, e é improvável que se aproxime excessivamente da Rússia, cujo declínio foi acelerado pelo julgamento equivocado de seu líder. Em suma, quanto à possibilidade de uma aliança sino-russa que possa desafiar o Ocidente, é improvável que a história se repita. Contrariando as esperanças de Putin, 2014 não será lembrado como um ano de sucessos para a política externa da Rússia.
(Joseph S. Nye Jr., cientista político e professor da Universidade Harvard - Fonte: Site PROJECT SYNDICATE).
1. Alguns analistas dizem acreditar que o ano de 2014 inaugurou uma nova era na geopolítica da Guerra Fria. A invasão da Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin, e a anexação da Crimeia foram respondidas com sanções pela Europa e EUA. Isso comprometeu o relacionamento da Rússia com o Ocidente, enquanto o Kremlin buscava o fortalecimento dos laços com a China. Resta ver se Moscou conseguirá construir uma aliança de fato com Pequim. À primeira vista, parece plausível. Na realidade, a tradicional teoria do equilíbrio de poder sugere que a supremacia americana em termos dos recursos que permitem esse poder deveria ser contrabalançada por uma parceria sino-russa.
2. Entretanto, aparentemente já existe um antecedente histórico dessa parceria. Nos anos 50, a China e a então União Soviética (URSS) aliaram-se contra os EUA. Depois da abertura do presidente americano Richard Nixon à China, em 1972, o equilíbrio mudou, e EUA e China uniram esforços para limitar o que consideraram um perigoso aumento do poder da União Soviética. O colapso da URSS pôs fim de fato à aliança sino-americana e deu início a uma reaproximação entre China e Rússia. Em 1992, os dois países anunciaram seu projeto de buscar uma "parceria construtiva". Quatro anos depois, eles avançaram para uma "parceria estratégica". E, em 2001, assinaram um tratado de "amizade e cooperação".
3. Nos últimos anos, China e Rússia vêm cooperando estreitamente no Conselho de Segurança da ONU e adotaram posições semelhantes na questão da regulamentação da internet. Elas utilizam entidades diplomáticas - como o grupo dos Brics composto por importantes países emergentes (com Brasil, Índia e África do Sul) e a Organização de Cooperação de Xangai (com Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão) - a fim de coordenarem suas posições. Putin estabeleceu excelentes relações de colaboração com o presidente chinês, Xi Jinping, a partir da falta de liberalismo interno comum a ambos e do desejo de se contraporem à ideologia e à influência americanas.
4. Suas relações econômicas também parecem progredir. Em maio, pouco depois da anexação da Crimeia, a Rússia anunciou um acordo de US$ 400 bilhões para o fornecimento de 38 bilhões de metros cúbicos de gás à China por ano, ao longo de 30 anos. O contrato entre a gigante estatal russa Gazprom e a China National Petroleum Corporation prevê a construção de um gasoduto de 4 mil quilômetros de extensão até a Província de Heilonjiang, na China.
É possível que isso prenuncie um relacionamento bilateral cada vez mais profundo.
5. Mas há um problema: os acordos sobre gás ampliam um considerável desequilíbrio comercial bilateral, uma vez que a Rússia fornece matéria-prima à China e importa manufaturas chinesas. Além disso, não chegam a compensar a perda do acesso da Rússia à tecnologia ocidental da qual necessita para desenvolver os campos localizados da fronteira do Ártico, e tornar-se uma superpotência energética, e não apenas uma mera fornecedora de gás da China.
6. Na realidade, os problemas de uma aliança sino-russa são mais profundos. A importância econômica, militar e demográfica da China provoca considerável ansiedade na Rússia. Além disso, o poderio econômico e militar da Rússia entrou em declínio, enquanto o da China explodiu. A ansiedade em relação à superioridade militar convencional da China provavelmente motivou, pelo menos em parte, o anúncio de uma nova doutrina militar feito pela Rússia em 2009, reservando-se explicitamente o direito de fazer uso em primeiro lugar de armas nucleares - posição que se assemelha à de força dos EUA durante a Guerra Fria. Esses desequilíbrios sugerem que a Rússia resistiria a uma estreita aliança militar com a China, mesmo que os dois países busquem uma coordenação diplomática tática mutuamente benéfica.
7. A disposição da China em cooperar com a Rússia também tem limites. Afinal, a estratégia de desenvolvimento da China depende de sua contínua integração na economia mundial - e, especificamente, da garantia de acesso à tecnologia e aos mercados americanos. Por sua vez, a legitimidade do Partido Comunista Chinês depende de um vigoroso crescimento econômico e de sua disposição de não pôr em risco essa estratégia com uma "aliança autoritária" com a Rússia. Mesmo em fóruns internacionais, a relação entre Rússia e China está muito longe de ser equilibrada. Considerando que a economia chinesa é maior do que a soma das outras quatro economias dos Brics, as iniciativas do grupo - como por exemplo, seu novo banco de desenvolvimento - provavelmente refletirão uma influência desproporcional da China. Além disso, China e Rússia continuam concentradas na luta pela influência na Ásia Central.
8. A aliança sino-russa do século 20 foi uma consequência do enfraquecimento da China depois da 2.ª Guerra e no início da Guerra Fria - e, mesmo então, durou pouco mais de dez anos. A China de hoje é uma nação forte, e é improvável que se aproxime excessivamente da Rússia, cujo declínio foi acelerado pelo julgamento equivocado de seu líder. Em suma, quanto à possibilidade de uma aliança sino-russa que possa desafiar o Ocidente, é improvável que a história se repita. Contrariando as esperanças de Putin, 2014 não será lembrado como um ano de sucessos para a política externa da Rússia.
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