Marta Suplicy, um pote de mágoas e calcúlos
por Rodrigo Martins - CartaCapital
Ela quer sair do PT. Mas não quer perder a bocarra de senadora
Marta Suplicy é mais uma a confirmar uma regra da política: quando uma situação é forte e se mantém por muito tempo no poder, a nova oposição costuma nascer de suas entranhas. Isolada no PT e sem espaço para disputar cargos executivos de destaque, a senadora não esconde a disposição de trocar de legenda de olho na eleição à prefeitura de São Paulo em 2016.
E se era para escancarar de vez a ruptura com o partido, a ex-prefeita não poderia ter feito escolha mais simbólica. Em entrevista à jornalista Eliane Cantanhêde, publicada em O Estado de S. Paulo, madame Suplicy vai direto ao ponto, sem recorrer aos eufemismos da educação em família tradicional paulista. Segundo ela, Dilma Rousseff é uma governante inflexível e incapaz de corrigir os rumos da economia. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é um “inimigo”. Antigo aliado, Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores, é acusado de trair o partido e seu projeto. Protagonista do movimento “Volta Lula” em 2014, também credita ao ex-presidente participação na conspiração em plena campanha eleitoral.
Verdades ou não, as declarações devem ser interpretadas menos como uma vazão de eventuais mágoas e mais como cálculo político. A senadora busca uma forma de sair do PT sem perder o mandato no Congresso e, de quebra, se cacifar ao posto de expoente da oposição nas eleições municipais do próximo ano. Um discurso anti-PT, principalmente proferido por uma política claramente identificada com o partido, já basta para abrir as portas em certos círculos do poder em São Paulo, em especial na mídia. E se ela for expulsa ou comprovar que a legenda traiu os ideais que a levaram a se filiar, o mandato no Senado fica garantido.
Então ministra da Cultura, Marta puxou o coro do “Volta Lula” no pior momento da corrida presidencial, quando Marina Silva disparava nas pesquisas de intenção de voto. Agora, assegura que o ex-presidente teria dado aval à movimentação no início de 2014, quando ela própria se dispôs a organizar um jantar com “30 PIBs paulistas” para apresentá-lo como alternativa na sucessão. Depois, o ex-presidente teria optado por evitar o confronto e abortado a iniciativa, emenda.
A campanha pró-Lula custou-lhe caro. A ministra viu as portas do Palácio do Planalto se fecharem de vez. A presidenta convocou Juca Ferreira, à época secretário de Cultura em São Paulo, para cuidar dos contatos com artistas e movimentos do setor na campanha. E o nomeou ministro. Em uma carreata na periferia paulistana, ela foi barrada ao tentar embarcar na caminhonete onde desfilavam Dilma, Lula, Fernando Haddad e Alexandre Padilha. Só voltaria a subir em um palanque na derradeira semana da eleição, em um ato com intelectuais na PUC de São Paulo.
Em novembro, demonstrou a disposição de não engolir as desfeitas a seco. Apresentou uma ruidosa carta de demissão, permeada de críticas à política econômica do governo, exatamente no momento em que a presidenta voava para uma reunião, na Austrália, dos chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo. Depois da entrevista ao Estadão, neste início de ano, foi mais longe. Anunciou ter enviado à Controladoria-Geral da União documentos sobre supostas irregularidades em parcerias firmadas pelo Ministério da Cultura durante a gestão de Ferreira no governo Lula.
O tiro saiu pela culatra. A própria CGU esclareceu que a papelada havia sido requisitada pelo órgão de controle, após uma auditoria feita em 2011. Não fora, portanto, uma iniciativa da ex-ministra. Além disso, a controladoria observou falhas semelhantes em convênios firmados pela “denunciante”.
Marta Suplicy venceu a sua primeira disputa majoritária em 2000, quando se tornou prefeita de São Paulo. Não conseguiu, porém, a reeleição quatro anos mais tarde. Lideranças do PT paulista atribuem o fracasso à sua insistência em uma chapa puro-sangue, com Falcão como vice, e à recusa de uma aliança construída com o PMDB de Michel Temer.
Depois da derrota, ela só colecionou dissabores nas disputas internas do partido. Em 2006, disputou a indicação para o governo de São Paulo e acabou preterida por Mercadante. Quatro anos mais tarde, o agora ministro da Casa Civil seria novamente candidato ao governo, enquanto ela se resignaria à campanha pelo Senado. Em 2012, teve de aceitar a candidatura de Fernando Haddad, apadrinhado de Lula, à prefeitura. A indicação para o Ministério da Cultura foi uma espécie de compensação.
A partir de então, a petista afastou-se do seu antigo grupo político, criado no período em que foi prefeita. À frente do Ministério da Cultura, deixou de lado as relações orgânicas com a legenda e optou por uma trajetória mais autônoma, observam diversos parlamentares consultados por CartaCapital. A trilha independente, afirmam esses petistas, ganhou corpo após a ex-ministra assumir o relacionamento com Márcio Toledo, bem-sucedido homem de negócios que hoje trabalha em um grupo de investimentos, o Interbanc. Ligado ao PMDB e ex-presidente do Jockey Club, Toledo aconselha a esposa nas articulações com o meio empresarial e político.
Marta ainda não oficializou a saída do PT, mas anuncia: “Tenho portas abertas e convites de praticamente todos os partidos, exceto do PSDB e do DEM”. O peemedebista Renan Calheiros, presidente do Senado, a teria convidado, mas tão logo o boato se espalhou, o vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer, negou o convite.
Ciente da ameaça, Haddad tratou de reforçar os laços com os peemedebistas. O deputado federal Gabriel Chalita será seu novo secretário de Educação, e está garantido como vice na chapa do prefeito em 2016. Além dele, o partido domina outras três secretarias. Com forte recall na periferia de São Paulo, por conta de sua atuação como prefeita, Marta Suplicy é, de qualquer maneira, uma forte candidata. No mínimo, a atrapalhar o projeto de reeleição de Haddad.
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