Educação

Entrevista exclusiva do Ministro da Educação - Cid Gomes - na Carta Capital. Confira:
Depois de experiências bem-sucedidas em Sobral, quando prefeito, e no resto do Ceará, estado que governou por oito anos, Cid Gomes assume o Ministério da Educação disposto a tirar do atoleiro o ensino do País a partir de dois conceitos básicos: mérito e qualidade.
Seu primeiro projeto, já em consulta pública, pretende formar administradores de escolas, diretores com autonomia e preparo para mudar o ambiente e com parte da remuneração atrelada a metas predefinidas. Por trás do “Diretor Principal”, como se chama o plano, há ideias maiores, talvez uma redefinição do número de estabelecimentos escolares que permitam aos municípios pagarem o piso nacional aos docentes.
“Valorizar o professor não é abrir um sem-número de vagas de trabalho e pagar merreca. Valorizar o professor é dar a ele oportunidade de ganhar bem”, afirma o ministro. A seguir, Gomes também fala do sistema de avaliação dos alunos, do financiamento estudantil e da promessa do governo Dilma Rousseff de investir no ensino médio.
CartaCapital: O senhor chega ao Ministério da Educação diante de um impasse. O slogan do novo governo é “Pátria Educadora”, mas foram cortados 7 bilhões de reais do orçamento da pasta. Como conciliar o slogan e a realidade?
Cid Gomes: Só se pode falar em corte orçamentário quando há um orçamento. Vivemos a realidade de não ter um. Está no Congresso, mas não foi votado. O que há é um decreto para que o governo possa executar suas despesas. Os 7 bilhões de reais são uma estimativa, não um cálculo real. Tenho segurança de que não faltará nenhum recurso para manter as ações em andamento. O desafio da presidenta é fazer mais com menos. Eu concordo. É premissa do serviço público.
CC: Há sinais de cortes no Programa de Financiamento Estudantil.
CG: O Fies começou sem grande escala, mas o crescimento deu-se de forma acelerada. Em 2014 foram assinados 740 mil contratos de financiamento. Falamos de dinheiro público, é preciso zelo. Não pode virar balcão de negócios. Trata-se de um programa de ampliação de oferta do ensino superior, mas sem abrir mão da qualidade. Para se inscrever no Fies, é necessário obter 450 pontos no Enem e não zerar na redação, uma meta generosa. Acho que se deveria exigir os mesmos 450 pontos na redação.
Defendo uma plataforma única, que estabeleça no Fies o mesmo modelo do Sisu e do ProUni. Em vez de deixar oferta e demanda sem controle, vamos pedir para as instituições mandarem o que têm de oferta, ver as áreas que precisam ser estimuladas e colocar em um programa único. E o critério de ingresso será a nota do Enem, nada mais democrático. Ou seja, mérito e qualidade. Palavras-chave que sempre vão pautar as minhas ações.
CC: Dar prêmios para quem tem mais resultado não torna cada vez mais difícil para quem não teve como alcançar os demais?
CG: Essa é uma discussão respeitável. Lá no Ceará, premiamos as 150 melhores escolas. É dado um valor per capita como prêmio financeiro para investir em melhorias. Do valor, 70% é pago imediatamente e 30% fica condicionado a que as melhores apadrinhem uma das escolas que tiveram menor desempenho. E essas também vão receber um per capita, um pouco abaixo, dividido assim: 50% imediatamente e 50% se ela avançar. É um modelo que a gente imaginou. Modéstia à parte, fui eu mesmo.
CC: Como a experiência no Ceará pode ser replicada?
CG: Agora tenho a oportunidade de, muito mais do que as boas práticas e resultados alcançados em Sobral e no Ceará, ter acesso a várias ideias do Brasil. Vou tentar conhecer boas experiências públicas, filantrópicas e privadas na educação e difundi-las. Não pretendo inventar a roda. Educação a distância é uma delas.
CC: E a reforma do ensino médio?
CG: É uma determinação da presidenta. Pela primeira vez na vida sou auxiliar, e não chefe. Fui governador e prefeito duas vezes, então, para o bem e para o mal, eu é que dava o sim e o não. Agora tenho de cumprir as diretrizes que ela tornou públicas. Trabalho para isso.
CC: Quais as mudanças previstas para o Enem? O exame será online?
CG: O Enem pode ser mais humanizado, parar de causar aquela pressão de um único dia. Pode ser feito mais tranquilamente pelo aluno. Para tanto, preciso de um banco de questões, que tem tudo a ver de novo com o currículo e a base nacional. É premissa ter mais questões. Nem fui atrás de quantas há, mas tenho certeza de que temos poucas. Pretendo lançar logo após a consulta pública do diretor principal, outra sobre esta do banco de itens para o Enem online.
Hoje, no dia do exame, você envolve Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Federal, Corpo de Bombeiros... A gráfica que imprime a prova tem 500 câmeras, sem exagero. Em meu juízo, isso é tenso para o aluno e complicado para o governo. Acredito que já em 2016 a gente possa ter um Enem online, embora eu vá lutar para começar ainda neste ano.
CC: É baseado no SAT, um dos exames de admissão no ensino superior dos EUA, certo?
CG: Não sou teórico, não espere de mim discussão teórica. Eu sou engenheiro civil e executivo. Podem até dizer “ah, é uma escolha política da Dilma”. Ela me escolheu por me conhecer como gestor e alguém comprometido com a educação. E não só no campo das ideias, mas da prática, na operação do dia a dia. É por fazer e melhorar indicadores. A discussão teórica fica lá com as minhas secretarias. Discussão por muito tempo, tenho pavor. Posso dizer que tive sorte de ser ministro no momento em que existe um plano de educação com metas, um roteiro claro do que precisa ser feito e quando.
CC: As prefeituras que não conseguem pagar o piso do magistério, defende o senhor, deveriam aumentar a quantidade de alunos por educador. Isso não vai causar uma briga com os sindicatos?
CG: Não quero comprar briga com ninguém. Quero sempre ouvir as demandas, é meu estilo. O que tenho dito sobre a relação professor-aluno sempre foi no plano da teoria, nunca estabeleci que a relação ideal é 1 para 10, ou para 30 ou 50. O ministério não tem poder para dizer quantos são no máximo. Há o seguinte: municípios reclamam da incapacidade de pagar o piso. Como troca de experiências, fui compartilhar medidas tomadas quando prefeito de Sobral. Nunca tive problemas de pagar o piso.
CC: Quando governador, o senhor enfrentou uma greve de 64 dias dos professores por salários em 2011.
CG: Enfrentei, mas o nosso calendário não foi prejudicado. Em Sobral, estabeleci a nucleação de escolas. Tenho a experiência de que escola boa é aquela com diversidade e quantidade de alunos. E é onde, pelo lado da administração, você pode concentrar esforços em pessoal e em recursos materiais. Penso que a nucleação de escola é boa, vou defender. Não posso obrigar ninguém a fazer, mas as políticas públicas definidas pelo ministério levarão em conta essa iniciativa. Vou citar um caso concreto: quando assumi, Sobral tinham 135 escolas. Discutimos e concentramos em 32.
CC: As demais foram fechadas?
CG: É um tabu fechar escola. Não encerrei as atividades em nenhum prédio, pois sabia que eram a única referência de poder público no lugar. Procurei melhorar os prédios e transformá-los em espaços dedicados à educação infantil ou em centro comunitário. Para tratar de educação é melhor ter menos escolas, com melhor estrutura, corpo diretivo e participação da comunidade. Isso dá a possibilidade de haver, de fato, uma relação racional professor-aluno. Eu posso ter uma situação em que a turma do 6.º ano só tem sete alunos. Se tenho escola nucleada, vou ter uma margem muito maior para fazer turmas com um número razoável.
CC: Qual a sua política de valorização do professor?
CG: Quando falo em redução das escolas, também penso nesse ponto. Valorizar o professor não é abrir um sem-número de vagas de trabalho e pagar merreca para eles, subexplorar. Valorizar é dar a ele oportunidade de ganhar bem e o município só pode pagar melhor se a relação professor-aluno for razoável.

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