José Dirceu: Nossos reais problemas na economia não são estes estampados pela mídia

Tornou-se lugar comum na mídia – em editoriais, artigos e reportagens – dizer que os atuais problemas do país, tais como inflação, déficit externo e baixo crescimento, têm como origem os gastos públicos, as desonerações, os subsídios, os juros particularmente do BNDES e de programas como o Minha Casa Minha Vida.
Por essa ótica, a  inflação seria, então, consequência do déficit público e do aumento da dívida – um circulo vicioso e não virtuoso. Mas a tese não resiste a uma análise objetiva e a uma comparação internacional, histórica e atual.
Nossa dívida pública é irrisória frente a de qualquer país desenvolvido. A dívida liquida está abaixo de 38% do PIB e a bruta em torno de 65%. O déficit público idem. Fizemos superávit todos esses anos, em geral acima dos 2%. A exceção foi apenas em 2014, por causa da decisão política do governo de fazer de tudo para impedir uma recessão. Dai a manutenção dos gastos, do crédito, das desonerações e subsídios.
A criação de mais de 20 milhões de empregos, a inclusão de mais de 40 milhões de brasileiros na cidadania e a redução drástica da pobreza e da fome não têm preço. Nenhum país se desenvolveu sem o Estado, sem subsídios, proteção comercial ou livre comércio práticas a que recorreram num momento ou em outro, dependendo de seus interesses nacionais. A maioria se desenvolveu pela colonização e a guerra. O imperialismo e o colonialismo sempre andaram associados ao Estado Nacional.
Presença do Estado na economia sempre foi fundamental para o desenvolvimento
Em todos os países da Europa o Estado foi decisivo para a industrialização pós 2ª guerra mundial. Como, aliás, havia sido entre os séculos XIX e XX. Todos fizeram reformas agrária, política e tributária, bases para o Estado de Bem Estar social. Todos construíram milhões de casas populares e a maioria criou um amplo sistema de educação e saúde público.
Em muitos países as emissoras e redes de TV e rádio foram reguladas e neles predominava até há alguns anos a TV e a rádio pública, que ainda têm um peso considerável em países com a Grã-Bretanha, a França e o Canadá.
Nossa história não é diferente. Aqui o capitalismo cresceu e avançou quando o Estado o amparou e protegeu. Entre nós a mistificação chega, também, à questão da carga tributária, acusada de ser uma das mais altas do mundo. No Brasil as altas rendas pagam menos impostos que as baixas rendas. E 1/3 da arrecadação – a da  Previdência – é redistribuída como benefício previdenciário. A carga tributária da União e de menos 25%, aí incluída esta de que falamos, da Previdência. Então, fazem essa mistificação de que temos carga tributária alta, escondendo sua injusta formação. Somos uma federação, mas as receitas estão ainda concentradas em Brasília.
O baixo crescimento do triênio 2012-14
O baixo crescimento do triênio 2012-14 tem origem na crise mundial e na nossa incapacidade de fazer reformas. Nossa inflação é de menos de 6,5% e tem causas outras, não no déficit e na dívida públicas. A prova disso é que o aumento da taxa Selic não tem qualquer influência sobre os preços dos serviços e alimentos. Estes respondem a outros fatores, externos, como seca e demanda. Idem para os preços administrados que dependem do governo e dos agentes econômicos.
O verdadeiro problema do país, além de não termos feito reformas como a política e tributária e da nunca terminada reforma agrária, é o custo do dinheiro, os juros e o custo da dívida interna, de 6% do PIB. Nada menos que R$ 250 bi são pagos todos os anos em juros dessa dívida interna. Apenas o aumento dos juros da Selic do 2º semestre do ano passado para cá – de 7,25% para 12,25% – significou um aumento de R$ 100 bi nos últimos meses nos serviço da dívida.
Toda a nossa economia transfere parte importante de sua renda ao capital financeiro que cobra um spread médio de 28% a 32%. Não há como sair desse ciclo vicioso sem equacionar essa questão. Ela é a verdadeira esfinge que devora e paralisa o Brasil. A alegação que os juros subsidiados são a causa dos altos juros reais não resiste a uma simples analise da composição dos custos do sistema financeiro pago pelo cliente. Sistema, aliás, que tem baixas inadimplência e carga tributária e custo de pessoal irrisório.
Não progrediremos sem enfrentar a questão do custo do dinheiro
Não avançaremos na direção de um crescimento sustentável e justo socialmente, sem enfrentar a questão do custo do dinheiro e da hegemonia do capital financeiro (que nos coloca na dependência do capital financeiro internacional) sobre toda economia. Nem sem enfrentar a questão  tributária para financiar o desenvolvimento econômico e a rede de proteção social, os serviços públicos, toda a infraestrutura social, enfim, e não somente a econômica.
A prova do pudim esta em comê-lo. Que o diga a Europa. O Velho Mundo acaba de fazer essa prova. Lá, infelizmente, depois da austeridade para salvar bancos e empresas as custas dos trabalhadores e das economias nacionais – austeridade que não os levou a superar a crise – eles anunciaram agora a derrama de 1 trilhão e 140 bilhões de euros no mercado para impedir a maxidesvalorização dos ativos.
Ou seja, de novo para salvar a banca e seu patrimônio. Sem escrúpulos e pudor nenhum…Como já ocorreu antes nos EEUU e no Japão, chamaram o Estado para tentar salvar a Europa da deflação e do fantasma do Syriza (o partido de esquerda que venceu a eleição há uma semana na Grécia).
Comparar trilhões para salvar bancos e empresas que essa gente faz lá fora com os subsídios e desonerações daqui para impedir uma brutal recessão no Brasil é uma mist ificação. É querer alimentar o mito de que nossa carga tributária e a manutenção da rede de proteção social é que são vilões, os principais responsáveis pela crise.  Nenhum país no mundo construiu e resolveu problema de habitação sem subsídios. Nenhum, tampouco, construiu sua política industrial sem um BNDES, sem juros de alguma forma subsidiados.

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