na Carta Capital
Qual é a moda do verão em Brasília? Autoridades serem entrevistadas por cidadãos comuns em uma das mais populares redes sociais da web, o Facebook. Desde o início do ano, quatro ministros passaram pela experiência e já há outros com planos de encarar o chamado Face to Face. Até aqui, as conversas abordaram temas delicados, como as novas (e duras) regras de pagamento de seguro-desemprego e abono salarial e o aumento de impostos. Não importa. O governo vê a internet como um palco em que se sai melhor na luta pela conquista da opinião pública e prepara um gasto recorde com propaganda nesse tipo de mídia, uma decisão que ajuda na sobrevivência financeira de sites e blogs.
Os bate-papos virtuais têm ocorrido nos gabinetes dos ministros, com duração de uma a duas horas e uma estrutura simples: um computador e um celular capaz de gravar depoimentos da autoridade sobre a experiência. Como as perguntas chegam aos magotes, o ministro pinça as que responderá conforme sua conveniência. Podem ser assuntos de seu interesse ou que exigem uma posição do governo. Eles ditam as respostas e em geral quem as digita é um assessor. Apesar de a internet ser fértil em baixarias, predomina o tom respeitoso.
O último ministro a enfrentar a sabatina virtual foi Ideli Salvatti, dos Direitos Humanos. Na tarde da segunda-feira 19, ela condenou a pena de morte, ao falar da execução de um brasileiro na Indonésia, e a redução da maioridade penal, tema cercado de “mitos que precisam ser derrubados”. Prometeu tirar do papel mecanismos antitortura. E defendeu criminalizar a homofobia, apesar de o Congresso ser um obstáculo a “legislações referentes ao ódio, à violência e à discriminação”. Para tentar dar charme à “entrevista” e fazê-la correr a web, a equipe de Ideli procurou a apresentadora Xuxa para informá-la a respeito. Deu certo. Porta-voz da lei antipalmada, a ex-global participou da conversa e perguntou o que o governo faria para a lei “pegar”.
Joaquim Levy, da Fazenda, também já encarou internautas e foi uma exceção: digitou as próprias respostas. Deixou claro que a alta de impostos recém-anunciada estava a caminho. Parecia à vontade para uma doutrinação ortodoxa. Convidou os internautas a conversar com amigos e parentes sobre a importância de o governo não gastar mais do que arrecada. O que já acontece, aliás, pois o País só cai no vermelho quando a despesa com (altos) juros da dívida entra na conta. Ao ser questionado sobre ser um “Chicago Boy”, foi bem humorado e disparou: “Ninguém come realmente de graça”.
Carlos Gabas, da Previdência Social, e Manoel Dias, do Trabalho, passaram pela sabatina com a missão de explicar e tirar dúvidas sobre as indigestas mudanças no pagamento de benefícios como seguro-desemprego, abono salarial e pensão por mortes, com as quais o governo espera economizar 18 bilhões de reais. A ida dos dois para a trincheira foi estimulada pelo Planalto, ao considerar que o abacaxi requer ser descascado com extremos cuidados para ser digerido no Congresso.
Nelson Barbosa, do Planejamento, e Alexandre Tombini, do Banco Central, demonstraram interesse em participar do Face to Face e podem ser os protagonistas dos próximos capítulos. Um deles inclusive enviou um assessor para acompanhar a conversa de Levy.
A crescente opção do governo pelo uso da internet como meio de comunicação tem duas explicações. A primeira é a propagação da rede mundial no País, com números e aplicações capazes de chamar a atenção internacional. A quantidade de pessoas a navegar na web diariamente no Brasil subiu de 26% em 2013 para 37% no ano passado, segundo uma pesquisa do Ibope encomendada pelo Palácio do Planalto. Em 2014, os navegantes gastaram, em média, cinco horas por dia na rede, 30 minutos mais do que o público da tevê, principal veículo do País, passou grudado à telinha. A vantagem anterior era de apenas dez minutos.
Arena dos Face to Face ministeriais, o Facebook é apontado como fonte de informação por 83% dos internautas brasileiros, um índice que impressionou a direção da empresa, por quase não ter paralelo em outros países. Rede social do momento, o WhatsApp é fonte para 58%. Foi explorado de forma tão intensa e pioneira na recente eleição presidencial, que estrategistas políticos norte-americanos já procuraram envolvidos na campanha brasileira para se informar a respeito, de olho na sucessão do presidente Barack Obama em 2016.
Além da disseminação, a internet caiu nas graças do governo por ser um terreno com mais espaço para as autoridades expressarem suas ideias e políticas, sem a seletividade imposta pela limitação e pela linha editorial das mídias tradicionais. Não é de se estranhar, portanto, que o Planalto prepare um gasto inédito de propaganda na internet este ano, um investimento com o qual ajuda a sustentar sites e blogs. A intenção é aplicar 18% da verba publicitária dos ministérios, 20% a mais do que em 2014. Algo como 135 milhões de reais, de um total estimado em 750 milhões.
A ampliação da fatia da internet na publicidade federal não ameaçará a liderança da televisão. As emissoras levaram cerca de 60% dos recursos no ano passado e devem ficar com o mesmo quinhão agora. Apesar de a audiência estar em declínio, o recente levantamento do Ibope apurou ter subido de 65% para 73% o número de brasileiros que, em 2014, declararam ver tevê diariamente, talvez por causa da eleição presidencial. E é essa pesquisa que orienta a distribuição das verbas. Conclusão: rádios, jornais e revistas vão perder dinheiro em 2015.
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