- Ao contrário do que corruptos e corruptores querem nos fazer crer, não vivemos o auge da corrupção, mas um momento emblemático de combate e punição da corrupção -
na Carta Capital
A presidente Dilma Rousseff assinou decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção e enviou ao Congresso um conjunto de medidas com as quais pretende, entre outros, tornar crime o enriquecimento ilícito de servidores públicos, a prática de caixa dois e a lavagem de dinheiro para fins eleitorais. Promessa de sua campanha à reeleição, as propostas foram apresentadas também como resposta do governo às demandas da sociedade.
A centralidade do tema da corrupção nas manchetes dos jornais, fruto de uma relação complexa que a mídia estabelece com casos mais rumorosos, acompanhada de uma onda moralista e conservadora que tem contaminado o ambiente político e social, explica a extrema relevância que o tema vem ganhando na agenda pública.
Não há dúvidas de que há méritos nas medidas anunciadas, mas o combate à corrupção no Brasil já tem se intensificado muito desde a redemocratização e, em especial, a partir do governo Lula, que, além de garantir maior autonomia ao Ministério Público Federal, valorizou significativamente a carreira dos delegados federais, atraindo para a Polícia Federal os melhores quadros, conferindo à instituição autonomia no exercício de suas funções nunca antes vista. O Judiciário tem acompanhado esse movimento e, ao contrário do que diz o senso comum, existe hoje no plano federal uma máquina de combate à corrupção muito mais independente, autônoma, e ativa – realidade que não se espalhou para a esfera dos Estados e municípios.
Essa inegável melhoria ocasiona, como primeira consequência, maior percepção da corrupção pela população. Apesar de ser um fenômeno que acompanha o Estado brasileiro desde antes da sua origem, hoje, a prática de corrupção tem maior visibilidade justamente porque é mais punida. Não vivemos o auge da corrupção, como muitos querem acreditar, mas um momento emblemático de punição daqueles que cometem crimes de corrupção.
A exposição da corrupção, ao mesmo tempo que, em alguma medida, inibe sua prática, também gera distorções, quando a ideia de um sistema impessoal de combate à corrupção é substituída, na narrativa da mídia, pela figura do “justiceiro”, ou seja, de um determinado agente do judiciário, do MP ou da polícia, apresentado como autor de uma operação ou de um procedimento que, na verdade, tem como sustentáculo uma engrenagem de que ele é apenas uma peça.
Essa sinergia estabelecida entre mídia e órgãos de apuração, em muitos casos, envolve inclusive cometimento de crime pelo agente público, que, para assumir o protagonismo midiático de um determinado caso, vaza informações sigilosas, prejudicando o próprio curso da apuração e vulnerabilizando os direitos fundamentais dos acusados. Na mídia, a narrativa da defesa tem voz nitidamente reduzida e é o espaço antes do linchamento do que do julgamento público.
A título de combater a impunidade e a corrupção, o MP tem defendido mudanças no Código de Processo Penal, para que provas ilícitas possam ser consideradas para fins de condenação, quando isso atender ao interesse público. Ou seja, propõe a flexibilização de um direito fundamental, que é o direito de só ser acusado ou condenado mediante provas lícitas, em favor de um conceito indeterminado de interesse público, que, na prática e no caso concreto , será determinado pela vontade arbitrária da autoridade, uma distorção característica de regimes de exceção.
Antes de exigir que a corrupção seja combatida a qualquer custo e por quaisquer meios, é preciso revisitar a história e lembrar que foi sob o pretexto de extirpar a corrupção que Robespierre instituiu o Terror e o genocídio na França, a Alemanha nazista produziu o Holocausto e a ditadura militar brasileira torturou e matou seus opositores. O que uma sociedade que vive sob um real Estado Democrático de Direito precisa perseguir é o equilíbrio entre um sistema impessoal de combate à corrupção e a garantia aos direitos fundamentais do acusado. Só assim será possível afastar o perigo da barbárie e da incivilidade que nos ronda.
Autor: Pedro Serrano
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