A vida é complicada para quem desafia a plutocracia
Um jornalista estadunidense disse uma coisa que me marcou profundamente
Ele disse que num certo momento da carreira ele era convidado para programas de tevês, rádios, jornais e revistas, recebia convites seguidos para dar palestras e estava sempre sob as luzes dos holofotes.
Foi quando ele acordou. Entendeu, por exemplo, as reflexões de Chomsky sobre as grandes empresas jornalísticas.
Para encurtar a história, ele decidiu então fazer jornalismo de verdade. Acabou assassinado.
Assange, Snowden, Falciani: não é fácil a vida de quem enfrenta o poder.
Tudo isso me ocorreu a propósito de José Dirceu. Tivesse ele defendido, ao longo da vida a plutocracia, ninguém o incomodaria.
Mas ele escolheu o outro lado.
E por isso é alvo de uma perseguição selvagem. É como se o poder estivesse dizendo para todo mundo: “Olhem o que acontece com quem ousa nos desafiar.”
É à luz de tudo isso que aparece uma nova rodada de agressões a Dirceu, partida – sempre ela – da Veja.
Quis entender.
Os dados expostos mostram, essencialmente, uma coisa: Dirceu não pode trabalhar. Não pode fazer nada.
O que é praxe em altos funcionários de uma administração fazerem ao deixá-la?
Virar consultor.
Não é só nos governos. Nas empresas também. Fabio Barbosa fatalmente virará consultor depois de ser demitido, dias atrás, da Abril.
Foi o que fez, também, David Zylbersztajn, o genro que FHC colocou na Agência Nacional do Petróleo. (Não, naturalmente, por nepotismo, mas por mérito, ainda que o mérito, e com ele o emprego, pareça ter acabado junto com o casamento com a filha de FHC.)
Zylbersztajn é, hoje, consultor na área de petróleo. Seus clientes são, essencialmente, empresas estrangeiras interessadas em fazer negócios no Brasil no campo da energia.
Algum problema? Não.
Quer dizer: não para Zylbersztajn. Mas para Dirceu a mesma posição de consultor é tratada como escândalo.
Zylbersztajn ajuda empresas estrangeiras a virem para o Brasil. Dirceu ajuda empresas brasileiras a virem para o Brasil.
O delator que o citou diz que Dirceu é muito bom para “abrir portas”. É o que se espera mesmo de um consultor como Dirceu.
Zylbersztajn, caso seja competente, saberá também “abrir portas”.
Vamos supor que a Globo, algum dia, queira entrar na China. Ela terá que contratar alguém que “abra portas”.
Abrir portas significa, simplesmente, colocar você em contato com pessoas que decidem. Conseguir fechar negócios com ela é problema seu, e não de quem abriu as portas.
Na manchete do site da Veja, está dito que o “mensaleiro” – a revista não economiza uma oportunidade de ser canalha – faturou 29 milhões entre 2006 e 2013.
São oito anos. Isso significa menos de 4 milhões por ano. Do jeito que a coisa é apresentada, parece que Dirceu meteu a mão em 29 milhões. Líquidos.
Não.
Sua empresa faturou isso. Não é pouco, mas está longe de ser muito num universo de grandes empresas interessadas em ganhar o mundo.
Quanto terá faturado a consultoria de Zylbersztajn entre 2006 e 2013? Seria uma boa comparação.
No meio das acusações, aparece, incriminadora, a palavra “lobby”. É um estratagema para explorar a boa fé do leitor ingênuo e louco por razões para detestar Dirceu.
Poucas coisas são mais banais, no mundo dos negócios, que o lobby.
Peguemos a Abril, por exemplo, que edita a Veja. Uma entidade chamada ANER faz lobby para a Abril e outras editoras de revistas. A ANER da Globo se chama ABERT.
Você pode ter uma ideia de quanto as empresas de jornalismo são competentes no lobby pelo fato de que ainda hoje elas gozam de reserva de mercado – uma mamata que desapareceu virtualmente de todos os outros setores da economia brasileira.
E assim, manobrando e manipulando informações, a mídia mais uma vez agride Dirceu.
As alegações sempre variam, mas o real motivo é que ele decidiu, desde jovem, não lamber as botas da plutocracia.
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