- *Xadrez dos primeiros dias do governo golpista e cleptomaníaco -
Castello Branco foi um interino com agenda. Havia um enorme acervo de projetos de reformas que não avançavam devido à crise política; e um receituário liberal engasgado na visão mais intervencionista de Jango.
Superado o nó político – à custa das baionetas -, as reformas foram destravadas. Criou-se o Banco Central, reformou-se o mercado de capitais, seguiram-se as reformas fiscal e trabalhista, o sistema de minidesvalorizações cambiais e até o Estatuto da Terra, que acabou abandonado mais à frente.
Michel Temer assume um interinato sem projeto. E, pelo visto, sem noção mais clara sobre as características de cada Ministério e dos programas em andamento. A redefinição administrativa visou muito mais distribuir o botim para os vitoriosos do que atender a uma lógica administrativa eficiente.
Para um interinato eficaz, seriam necessárias duas pré-condições:
1. Um plano de ação amplo, com visão clara de país e da função de cada Ministério, inclusive com análise prévia dos projetos que se pretende manter e daqueles para se implementar.
2
. Um mapeamento das inter-relações entre Estado e grupos sociais e econômicos representados na máquina pública, de minorias, movimentos sociais a segmentos empresariais.
A partir daí, montar uma estratégia para reduzir o desgaste político tanto interna quanto internacionalmente decorrentes do processo de impeachment.
Pelo aperitivo da primeira semana, o grupo que tomou o poder é jejuno em políticas públicas, desinformado sobre a estrutura do Estado e, mais ainda, sobre a nova estrutura social brasileira e sobre o papel da opinião pública globalizada.
Não possui a retaguarda de intelectuais capazes de fornecer a narrativa básica para, a partir dela, detalhar as propostas de cada Ministério.
A frente internacionalO mais influente jornal do mundo, o New York Times, condenou o golpe. Há uma imagem de truculência nos conquistadores. Um comando racional definiria uma estratégia de distensão visando a opinião pública internacional.
A consolidação da imagem de truculência trará consequências ruins para o governo interino e, pior, para o país.
No entanto, no seu primeiro ato como Chanceler, José Serra emite uma nota sem o menor verniz diplomático, contra vizinhos que condenaram o golpe. E, pelas informações divulgadas, a nota foi endossada e completada pelo próprio presidente interino.
Será que não havia um conselheiro diplomático para opinar?
A diplomacia exige conhecimento prévio, tato, cuidado para se inserir nos grandes temas internacionais, estilo sóbrio nas notas diplomáticas. Há uma disputa entre países para conquistar cargos e funções nos grandes organismos multilaterais.
O grande trunfo brasileiro foi apresentar-se como líder do Mercosul, articular o grupo dos 20, avançar na OMC (Organização Mundial do Comércio), junto aos BRICs, à China. O país saiu da crise de 2008 com um protagonismo internacional inédito.
Esse protagonismo se deveu a uma política de não-alinhamento com nenhuma das potências, visando tirar o melhor proveito da disputa entre elas – o que Getúlio Vargas fez magistralmente nos anos 30 e 40 – e da capacidade de se comportar civilizadamente nos fóruns internacionais e nas relações bilaterais.
Hoje em dia, há um conjunto de temas aguardando definições, as relações com a China, as novas relações com os Estados Unidos, o banco dos BRICs. Internamente, uma questão explosiva: a tentativa de alguns setores de criminalizar estrangeiros que tenham atuação política – e incluíram nessa categoria a mera participação em passeatas e em redes sociais. Além do despautério de confundir manifestação de opinião com militância partidária, arrisca-se a penalizar um segmento de altíssima qualidade intelectual que veio melhorar a inteligência média brasileira.
Serra preferiu estrear mostrando altivez contra... Bolívia e Venezuela e definindo como temas prioritários a vigilância das fronteiras e o combate ao narcotráfico.
As frentes sociais e econômicasAté então, o país estava dividido entre petistas, democratas (defensores da democracia não necessariamente alinhados com o PT) e anti-petistas, estes compondo uma frente única.
Nas mudanças ministeriais, foram atingidos diversos segmentos de classe média, ampliando a frente crítica ao governo interino.
Não foram escolhidas mulheres, indispondo o governo interino com amplos segmentos militantes. Abriu mão, inclusive, da lealdade, idoneidade intelectual e coerência política da aliada de primeira hora, Martha Suplicy.Acabou com o Ministério da Cultura, ampliando a oposição dos artistas em geral e não levando em conta a enorme importância da indústria cultural na nova economia.Retribuiu o enorme apoio empresarial recebido abrindo mão de Armando Monteiro no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) por um Ministro totalmente jejuno em questões industriais.Indispôs-se com o setor de educação, não apenas o público como as ONGs bancadas pelo setor privado, rompendo com uma política de anos de interlocução entre ambos visando o aprimoramento da educação para abrigar um aliado político sem familiaridade com o tema.Juntou Comunicações com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, ambos tratando de temas distintos. Desconsiderou não apenas o meio acadêmico, a relevância dos programas em andamento, e todas as associações empresariais e grandes grupos integrados em programas de inovação.Jogou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), ambos tratando de temas totalmente distintos. Além disso, colocou no MDS um notório crítico do Bolsa Família.· Rebaixou todas as Secretarias ligadas a grupos sociais, inclusive a de Pessoas Com Deficiência e outras, sem nenhum viés ideológico.Juntou a área de benefícios e atestados da Previdência com o Ministério da Fazenda e o INSS para o MDS. Qual a lógica?A entrevista do novo Ministro da Justiça Alexandre de Moraes anunciando a intenção de não acatar mais a lista tríplice na escolha do Procurador Geral da República é outra demonstração cabal de amadorismo. Antecipou em um ano e tanto - a duração do mandato do atual PGR - a disputa política com o Ministério Público.Esses movimentos induziram a uma nova distribuição da opinião pública, com um forte segmento de classe média moderna nos grandes centros – em geral refratárias ao PT, sendo a base do público da grande mídia – alinhando-se à frente anti-Temer. Com a explicitação de posições em relação à PGR, abre-se uma comporta de consequências imprevisíveis.
Muito mais rapidamente do que sugeriria a prudência, vai-se definindo um perfil restrito de governo, ligado aos grotões e aos movimentos religiosos conservadores.
A estratégia econômicaNa sua primeira coletiva, o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles deu uma estupenda aula de generalidades e irrelevâncias.
Chegou a defender até a imposição do orçamento público nominal (sem correção dos valores pela inflação média).
No que interessa, anunciou as seguintes intenções:
Recriação da CPMF – não se tem saída fiscal imediata sem a CPMF. Mas como ficarão todos os setores que deblateraram contra a CPMF e utilizaram a proposta como álibi para a desestabilização do governo Dilma?
Idade máxima para aposentadoria – vale como sinalização de longo prazo. Abriu-se mão da discussão no conselho de capital e trabalho que já vinha discutindo o tema. E a proposta é apresentada pelo Ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Imediatamente foi torpedeada pelo único representante de trabalhadores na frente pró-Temer: Paulinho da Força.
Enfim, a primeira semana mostrou ampla descoordenação do governo interino. Não há um fio condutor das ações.
Nas próximas semanas pode ser que se aparem as arestas e se acertem os ponteiros. Mais provável que não.
*Joel Leonidas Teixeira Neto teria dado este título ao texto