Na Folha de S. Paulo
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de adiar o julgamento da chapa comandada por Dilma Rousseff em 2014 aumenta as chances de que Michel Temer fique no cargo até o final de 2018. Penso que os ministros fizeram uma opção política, entendendo ser difícil derrubar um presidente da República a partir de plenário dedicado a fiscalizar procedimentos eleitorais. Com isso, o próximo capítulo crucial da crise passa a ser o veredito a respeito da candidatura Lula.
No lusco-fusco em que nos encontramos —uma situação que oscila entre a plenitude democrática e surtos de exceção ocasionais, porém frequentes— o destino jurídico do líder petista será chave. Caso Lula possa candidatar-se, a recomposição do tecido democrático esgarçado pelo golpe parlamentar ganha densidade. Na hipótese contrária, a instabilidade tende a se prolongar, abrindo caminho para saídas autoritárias.
Apesar da arbitrariedade do impeachment sem crime de responsabilidade, até aqui os direitos fundamentais não foram suspensos e o último pleito municipal ocorreu em clima de liberdade. Episódios suspeitos, como a invasão a tiros de uma escola do MST, se multiplicam, mas ainda sem caracterizar uma política repressiva do Estado, típica de regimes fechados. Porém, enquanto não houver eleições presidenciais livres e justas, permanecerá uma zona cinzenta, na qual tudo pode acontecer.
Não importa, portanto, que Lula ganhe, e sim que consiga concorrer em igualdade de condições. Estaria, assim, garantida a chance de alternância de poder, elemento indispensável do processo democrático. Como desde 1945 a polarização central no Brasil se dá entre um partido da classe média e um partido popular, a presença de Lula garantiria a representação das principais camadas sociais, uma vez que o PSDB com certeza estará na cédula.
O raciocínio acima nada tem a ver com apoio ao ex-presidente, cujo programa real tende a ser ultramoderado. Tampouco se imiscui nas questões jurídicas que dizem respeito à pessoa física do antigo mandatário.
Apenas expressa a constatação analítica de que o lulismo continua a ter base popular e ninguém o encarna melhor do que o próprio Lula. Convém lembrar que a Constituição de 1988, coroamento da longa redemocratização, expressa o compromisso implícito de que as forças populares não seriam mais alijadas da disputa pela direção do Estado.
Lula encontra-se, como Juscelino Kubitschek após o golpe de 1964, à espera de que o calendário eleitoral se cumpra e ele possa concorrer para promover a conciliação. Naquela ocasião, os militares, por verem JK como a volta do populismo, cancelaram a eleição presidencial direta por um quarto de século. Que 1965 não se repita.