Nossos corruptos são melhores e o nosso golpe mais democrático

por *Armando Rodrigues Coelho Neto
Não li, não vou ler, é tudo mentira e Lula e vai ser preso. Foi assim que um despreparado debatedor político respondeu a uma notinha de esclarecimento sobre os mentirosos ataques contra o ex-presidente Lula, ainda a grande obsessão de Moros, Marinhos e patos da FIESP. Não preciso especificar quais, pois até hoje nada de novo apareceu. Se tivesse uma provinha significante qualquer, Sérgio Moro já teria prendido seu desafeto. Tudo permanece velho, requentado por imbecis influenciados pela hermenêutica daquele barnabé - o bom e velho encantador de incautos. Afinal, é difícil brigar com a encenação Global, com as capas de Veja, arautos da verdade que, ao agregarem factóides sem importância jurídica com mais meia dúzia de disse me disse, produzem a sentença paralela. Sentença essa que por si só trás todo o veneno capaz de promover o ódio. Sim, o ódio, o grande princípio da aceitação popular. Só o ódio intenso contém os elementos necessários para aceitar a prisão ilegal de Lula.
Não adianta explicar que o ódio inerente a trapaça contra o povo é elemento essencial para a Farsa Jato. Ela mistura verdades e mentiras, ainda que tropece nas próprias pernas, via erros de cálculos. E tudo isso está visível no vai e vem das sentenças provisórias de Sérgio Moro, aquele ser midiático hoje imune à críticas - ex-vi das reações à Folha de S; Paulo, o sequestro relâmpago de um jornalista, destemperos durante audiências e outras reações. Vivemos o prende e solta em era de banalização de prisões. Voltamos a era medieval. Nunca fica claro se a prisão era ou não necessária. É como se tivesse virado um “eu quero e ponto”. Prende-se para chocar, para banalizar, para vender jornal, e até para que fiquem sabendo quem manda nessa m..., tudo em franco galope, de modo a ficar claro e bem claro que golpe e golpe, mas que nunca pode ser chamado por esse nome. São tempos de Trump, Dória, dos ricos no poder, hoje todos de plantão para ver o gado engordar mais de perto.



Não li, não vou ler e Lula vai ser preso, disse o imbecil. Eis como andam as coisas. Semana passada, um leitor leu apenas um frase de nosso texto e concluiu quase dessa forma: “Li duas palavras, uma frase, já li tudo”. Perdemos a paciência. Já sabemos o resto, já sabemos de tudo, pois já nos acostumamos às chamadas do Jornal Nacional, que juro não assistir, mas sei como é. Bem ao gosto dos grandes jornais, também, pois muitas vezes o conteúdo desmente o título ou manchete. As verdades e pós-verdades já estão expostas de forma sintetizadas, numa mescla de técnica nazista com pouca vergonha explicita. Assim, como negar uma crise que hoje se revela real? Como explicar que a crise é de laboratório pois sem a soma de crise + ódio não seria possível dar o golpe. Como explicar pro povão que Dilma (Fora Temer!) tinha 79% de aprovação, mas o país entrou em crise em apenas dois meses?
Desde os tais 79%, pequenas desgraças passaram a ser anunciadas como vítimas da gripe aviária, uma a uma a cada telejornal, a cada capa de Veja, a cada crônica de Jabour, Garcia, índices sempre anunciados de forma catastróficas em clima de não compre, não gaste, não venda. Tudo que você tem a fazer é ficar aí no sofá, aguardando a próxima desgraça, que pode ser a queda do preço do petróleo ou a desclassificação do Brasil por uma agência internacional de desconfiabilidade. Assim mesmo, de forma bem desavergonhada, nós produzimos as desgraças, nós a divulgamos, nós geramos o clima de recessão e medo, fazemos a leitura científica e produzimos o atestado de falência. Bem ao gênero Farsa Jato e STF: “eles vazam, nós nos omitimos, a Globo repercute, cria-se o ódio e depois somos obrigados a dar sentenças de acordo com a opinião pública” (aspas irônicas).
Mas, nada disso tem uma coisa a ver com outra. Tudo é real e enquanto fico perplexo diante da televisão, o meu chá esfria e nesse clima nem mesmo chá presta mais. O gelo derrete e o uísque perde a graça; a cerveja esquenta e tudo o mais se torna frio, ralo, morno, insosso, insípido e inodoro, por que tudo isso também faz parte da receitinha golpista. Tudo calculado para um povo há anos regido pelo mantra “somos um povo pacifista” e quem se organiza para a luta pode sair do quadrado. Isso pode ser sintoma de que você está sob influência dos exércitos cubanos ou vermelho, a grande paranóia da Polícia Federal (vergonha nacional e um dos ovos da serpente e hoje sob o risco de ir para a vala comum da aposentadoria!).
Eis que, como tudo de ruim é necessário, pois a culpa é de Dilma/Lula, é preciso reavivar a idéia de que o estado é uma empresa e que existe para dar lucro. Seus acionistas de plantão não querem mais brincar de democracia, o mundo mudou e Donald Trump já arranjou uma desculpa para fazer seu primeiro bombardeio. A propósito, a Vaca Ruiva americana, que hoje inspira João Dória e Bolsonaro já sinalizam o que vai ser de nós. E como conversa puxa conversa, o próximo depoimento do Lula pode ser o dia de seu justiçamento. Seguindo a tradição, os cordelistas nordestinos e suas redondilhas, quartilhas e sextilhas podem estar esperando apenas pelo último verso. Do mesmo que a adiadíssima chamada do Jornal Nacional e capa da Veja estão ansiosos pelo seu real ou lendário dia do velho jornal soviético: “Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov”.
É possível que dessas obviedades venham a certeza do imbecil citado no início do texto. Mas eis que diante de tantos fragmentos, ao assistir as notícias sobre a temperatura política na Venezuela, só posso concluir que a máxima vigente no tucanato é real: nossos corruptos são menos corruptos. E conclui que nosso golpe é mais democrático...
*Jornalista, advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo