A sociedade que condecora Moro é movida a ódio, mentiras e aparências

Armando Coelho Neto: Numa democracia e em tempos normais, quem apoiaria Sérgio Moro?
“As ordens sem objetivo prático são fontes naturais de insubordinação e indisciplina”. Com essas palavras, um instrutor da Academia Nacional de Polícia (centro de formação dos Policiais Federais do Brasil), preparava o espírito dos incautos alunos para o que vinha depois, Leia-se o que viria na sequencia “tinham objetivo prático” e, portanto, suas máximas eram fontes naturais de subordinação e disciplina. Instaurada a fonte das verdades sacramentadas, os pressupostos que regeriam as coisas estavam “sergiomoriamente” explicados. O que daquele mestre advinha tinha o selo doutoral, a “chancela do bem” de que fala a mestra Marilena Chaui.
Desde que entrei na PF nunca fiz o gênero bonzinho, cordato e a fala daquele instrutor não surtiu em mim o efeito esperado. Assim, quando via as velhinhas que se arrastavam de Santa Rita do Passa Quatro/SP para deporem sobre fraudes previdenciárias e não ter o dinheiro da passagem para voltar para casa, desconfiava haver algo errado naquilo. Como assim? Então não vamos investigar e a previdência vai continuar sendo roubada? Essa era a pergunta mais comum nesses e em outros casos que redundavam em prejuízo público. Como explicar não estar defendendo a corrupção, que cada um deve responder pelos seus atos, que a lei precisa ser cumprida... Mas só daquela forma?
É difícil intimar para a realidade novos procuradores, juízes e delegados -  cabelinho na moda, frequentadores de academia ou templos evangélicos e que repassam vídeos da Ferrari dourada do filho do Lula. Sobretudo quando ao saírem dessa fantasia, mergulham de forma seca sobre leis, sem saber sequer quem as criou. Engolfados na presunção do saber se permitem a delírios conjecturais sobre quem sabia ou deveria saber de ações criminosas. Seguindo o precário raciocínio, o leitor pode presumir que os oficiantes da Farsa Jato sabiam da macabra operacionalidade dos poderes da República, simplesmente porque têm acesso a informações fiscais, bancárias, telemáticas, nacionais, internacionais e tem a faculdade plena de bisbilhotar a vida de qualquer um. Cúmplices?
Voltemos à Passa Quatro. Eis que anos à frente, um dia um delegado federal juntou todos os inquéritos, pegou uma viatura e se deslocou até Santa Rita e outras tantas cidades em situação igual. Tomou o depoimento de todas as velhinhas - que aliás, o recebiam com cafezinho e bolo de fubá. Em pouco tempo, o delegado chegou ao fio da meada, separou as velhinhas expertas das de boa fé, identificou reais vítimas, os crime famélicos etc etc e encontrou o caminho da fraude, cuja raiz era gente lá “de cima”. Dali pra frente, obviamente, nada mais poderia fazer e qualquer semelhança com o Caso Banespa – o doleiro e o juiz eram os mesmos e a emissora de maior audiência também. Travou no político.
Só que em Passa Quatro, o Partido dos Trabalhadores era embrionário, Lula não ameaçava ninguém, não tinha Fórum de São Paulo e os podres arquivos da ditadura estavam muito bem guardados dentro da Polícia Federal.  Bom lembrar que naqueles tempos, Sérgio Moro era um adolescente e desfrutava, sem saber, os prazeres da sociedade que “condena” e dela recebe condecorações...
Moro tem um quê daquele militar lá de cima e vai mais além, na medida em que por vaidade ou encantamento, tenta encarnar também a tal pós-verdade,que segundo a Universidade de Oxford, é um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais” (Colei do Google). É o que chamamos aqui, semana passada  de “ensimesmado no eu e suas circunstâncias”, nelas incluídas suas próprias contradições. Moro quer falar bonito quando fala de liberdade de imprensa, e que teria cumprido o seu papel, como o delegado que interrogava as velinhas de Passa Quatro e as abandonava a pé. Chegou ao viés político e, preso a ele, vive refém da narrativa que Farsa Jato plantou na mídia.
Lula está condenado pela tal pós-verdade e isso pode explicar a cara de paisagem de uma procuradora da República, durante um confronto com o jornalista Reinaldo Azevedo, no programa Roda Viva (TV Cultura). Ela disse que a sentença do Paladino de Ponta Grossa/PR era justa, imparcial, técnica..  Só faltou dizer salvadora da Pátria. E foi aí que o tal Azevedo disse que a sentença é frágil, marcada por “piruetas intelectuais inaceitáveis”. A primeira, diz ele: falta prova material de que o tríplex seja do Lula. A prova existente é a de que o dono do tríplex é outro e essa prova não foi desqualificada por Moro. Ele apenas ignorou. De quebra, Azevedo dá uma liçãozinha primária à procuradora: “no direito penal não existe redistribuição do ônus da prova” (ministro Celso de Mello).
A lamborada seguinte foi de tingir a raiz do cabelo da procuradora loira artificial. Azevedo disse que Dalagnol parece um adolescente espinhento, pedindo no Facebook a condenação desse ou daquele político, o que é incompatível com um homem de Estado. Destacou a sanha ditatorial messiânica dos oficiantes da Farsa Jato (savonarolas?), apontando inclusive as medidas fascistas sugeridas por Dallagnol na proposta de lei contra a corrupção. A reação da procuradora muito lembrou as entrevistas concedidas pelas chiques e bem informadas manifestantes da Av. Paulista durante os protestos pelo golpe. Ela reagiu como as tais medidas fossem algo democrático.
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Há quem diga que o tal Azevedo pegou pesado, mas não. Ele foi apenas objetivo, ao trazer aquela servidora pública de que a doutrina é clara: diante da presunção de inocência não há cargas probatórias impostas ao acusado. A prova dos autos é que o tríplex é de outrem, mas na impossibilidade de negar o óbvio, Moro trata o assunto como ocultação “ainda que singela” de produto do crime. Mas, não indica um ato concreto de Lula no suposto esquema, do qual de forma indefinida e inespecífica teria sido beneficiado com promessa futura presumida, não revelada, genérica não declinada “porque é assim que acontece”. Quando se explica, limpa sujeira com lixo, pois foge da dos autos e da terra.
Acostumada com o oba-oba da Farsa Jato, a procuradora não gostou do que ouviu e defendeu o carrasco do Lula, que acabou de cassar a aposentadoria dele. Eis que me recordo que esse texto veio a propósito dos apoiadores do tribunal de exceção de Curitiba. É nesse ponto que se encontram o velho instrutor da PF, os dois delegados das velhinhas de Passa Quatro, o Moro pós-verdade e a procuradora da cara de paisagem.
Conheço juízes, desembargadores, entre outros respeitáveis operadores do Direito que não concordam com Moro. Todos constatam o viés político das decisões e o peso da mídia sobre os tribunais. A corrupção por ser inerente e parceira da sociedade que condecora Sérgio Moro vai continuar, pois ela é movida a ódio, ganância, mentira e aparências... ***

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