As circunstâncias e a conjuntura estão dando ao PT uma nova oportunidade de se redimir para com Lula. O PT é um grande devedor de Lula, pois o partido não foi capaz de defende-lo e de mobilizar a sociedade contra a sua condenação e prisão injustas. Lula sempre foi maior do que o PT. Claro que o PT foi e é imprescindível para Lula. Mas dificilmente o PT existiria sem Lula. No mínimo, sem Lula, não teria a importância que veio a ter.
Lula, como líder, é uma daquelas raríssimas singularidades que cumpre um papel demiúrgico na política, capaz de criar o novo, de colocar no mundo da atividade política algo que não existia, de gerar uma esperança de sentido universalizante, para além das hostes partidárias e de seus seguidores e para além das fronteiras do próprio país. Num mundo cada vez mais desigual e injusto, Lula se constituiu como símbolo da luta pela igualdade e justiça. Num país pobre e abissalmente desigual, Lula se forjou como uma esperança de redenção dos pobres e dos humilhados.
Em novembro do ano passado publiquei um artigo (Destino de Lula: abandono e solidão), chamando a atenção para os riscos que Lula corria na prisão. O artigo foi contestado por Gleisi Hoffmann, presidente do PT. É forçoso constatar, no entanto, que de lá para cá o PT pouco fez de significativo em prol da liberdade de Lula. Tudo o que fez foi mais no plano simbólico, no plano declaratório, das intenções e das resoluções partidárias. Não que isto não seja importante. Mas é absolutamente insuficiente para que a campanha adquira uma dimensão social, para que a liberdade de Lula se torne uma exigência majoritária da sociedade e para que ela adquira uma dimensão de mobilização de rua. Somente quando isto se tornar realidade Lula terá chance de ser solto. Agora mesmo, Lula sofreu uma segunda condenação e o que se viu foi uma tíbia reação do PT.
Em dois momentos pregressos havia um ambiente político e social favorável para que se fizesse uma mobilização de massa para a liberdade de Lula: 1) no contexto de sua condenação e prisão; 2) no momento em que Lula liderava as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2018 e que ainda não havia uma interdição final à sua candidatura. O PT foi fraco e omisso naqueles momentos e deixou as oportunidades passarem. Um prócer do petismo culpou a ausência de cultura de mobilização popular por não ter havido fortes manifestações. Somente em circunstâncias muito singulares as massas se mobilizam espontaneamente. Cabe aos líderes, aos partidos e aos movimentos sociais criar uma cultura de mobilização popular. O que falta hoje no campo progressista são lideranças virtuosas e corajosas e capacidade de direção e comando.
Agora, as circunstâncias, o destino, a Fortuna, estão dando ao PT uma nova ocasião para que o partido mobilize a militância, os simpatizantes e a sociedade em favor da liberdade de Lula. Esta conjugação de fatores favoráveis pode ser resumida nos seguintes pontos: o governo Bolsonaro começou de forma desastrosa e a pesquisa CNT/MDA mostra que a sociedade não lhe concede nem o bônus de início de governo; mesmo sendo tirado da liberdade, da atividade política e silenciado em Curitiba por um judiciário persecutório, Lula permanece vivo na alma de parte importante da sociedade que o tem como paradigma de bom governante; a morte do menino Arthur, neto do ex-presidente, desencadeou uma onda de solidariedade pelo seu sofrimento e pelo caráter trágico dos acontecimentos que o envolvem; no carnaval, vozes espontâneas da multidão, em vários pontos do país, protestaram contra Bolsonaro e pediram Lula Livre.
O fato mais importante da conjuntura que favorece Lula é a rapidez com que se autodecompõe o governo Bolsonaro. O presidente se revela que é política e psicologicamente incapaz de governar. É o principal inimigo de si mesmo: promoveu várias trapalhadas com sua equipe econômica, desagrada os militares, triturou publicamente o ex-ministro Bebianno e desmoralizou Sergio Moro. Permanece em guerra aberta contra a oposição e as esquerdas. No caso da Venezuela, junto com seu chanceler, feriu claramente a Constituição. Nenhum governo sério teria um ministro da Educação que este governo tem.
O entorno ideológico de Bolsonaro e de seus filhos vem se mostrando, todos os dias, aos olhos da sociedade, o quanto sórdido e desumano que é. As declarações de Eduardo Bolsonaro em relação a Lula em face da morte do seu neto causaram nojo, asco e repulsa. Trata-se de gente perigosa porque portadora de mente psicopata. Não há nem misericórdia e nem compaixão no coração desse entorno. Por isso, são pessoas capazes de cometer as maiores atrocidades, as maiores vilanias, as maiores monstruosidades. Os nazistas já mostraram o que a psicopatia política é capaz de fazer.
A brutalidade mental dessas dos bolsonaristas ideológicos, alimentada por ódios e recalques, os impele para a violência para a maldade banal, para o crime sistemático. Não era de se esperar que esses portadores de psicopatia política sentissem compaixão pela dor de Lula e pelo infortúnio do pequeno Arthur. Afinal de constas, os seus congêneres pelo mundo afora mataram idosos, estupraram mulheres e crianças e as queimaram vivas e construíram campos de concentração, de tortura e de morte. Dessas pessoas se pode apenas esperar o pior. Precisam ser contidos e a sociedade precisa ser advertida quanto ao perigo que representam.
Quanto mais se decompõe o governo Bolsonaro, quanto mais agride direitos, quanto mais desumano e retrógrado se mostra, quando mais se degrada moralmente, mais a figura de Lula torna-se uma falta terrível para a recomposição e união do Brasil. Quanto mais indecente se torna esse governo, mais a falta da presença livre e pública de Lula se torna uma tragédia para um país que se embrutece e para um povo que não encontra limites em sua dor e em sua desesperança. Mais criminosa se torna a condenação injusta de Lula porque ela impediu que o Brasil e o seu povo pudessem ser conduzidos por um Lula sensato, unificador, assentado sobre o trono de sua sabedoria e de sua experiência que advêm de sua capacidade de entender as necessidades e a alma do povo brasileiro.
A decomposição do governo Bolsonaro e a falta crescente que Lula faz ao Brasil não se tornarão frutíferas se não se transformarem em energia ativa, em mobilização e em combate. São coisas que se não forem transformadas em mobilização e protesto podem alargar a desesperança, aprofundar a frustração, a resignação e a impotência.
O PT não ganhará nada se não for capaz de resolver dois graves problemas: ser efetivo na luta por Lula Livre; e, renovar-se junto à sociedade reduzindo drasticamente os graus de antipetismo persistente. Poderá caminhar para nova derrota eleitoral em 2020, nas eleições municipais, se não mudar seu modo de ser, de proceder e de agir. A decomposição e o fracasso do governo Bolsonaro não se traduzirão, automaticamente, em ganhos para o PT e para as esquerdas. Os dirigentes dos partidos de esquerdas, dos sindicatos e dos movimentos sociais deveriam ser atormentados todos os dias por esta advertência para que ela sirva de estímulo para que saiam de suas zonas de conforto político e mental.
Existem elementos de sobra para fazer uma campanha eficaz e mobilizadora em favor da liberdade de Lula. É preciso mostrar amplamente que o juiz e os desembargadores que condenaram Lula não eram juízes naturais do caso e agiram como juízes de exceção; que Lula foi condenado sem crime e sem prova; que Lula está preso e que políticos acusados de alta corrupção, a exemplo de Aécio Neves, Temer, Serra e outros, estão soltos; que sob o governo Lula o Brasil teve um de seus melhores momentos de sua história; que Lula legou muitos benefícios ao povo brasileiro; que enquanto Lula uniu o povo e engrandeceu o país perante o mundo, Bolsonaro desagrega o povo com ódio e destrói a credibilidade do Brasil no exterior. Elementos de convencimento existem. O que parece não existir são capacidades e vontade.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Todo mundo quer ser bom, mas da lua só vemos um lado
Vida que segue...
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