O leitor, como eu, certamente gosta de desafios e não quer se restringir a assuntos batidos, onde reina certo consenso. Vamos em frente então.
Primeira pergunta: é fato ou mito essa decadência ocidental? Note-se que ela já foi proclamada muitas vezes. O assunto não deixa de ser batido, portanto. A própria expressão “declínio do Ocidente” foi tema e título de um livro de Oswald Spengler, publicado há pouco mais de cem anos, em 1918.
Nada é para sempre. E o domínio do Ocidente sobre o resto do mundo já leva mais de duzentos anos. Começou, como se sabe, com a revolução industrial iniciada na Inglaterra no final do século 18. Consolidou-se no século 19 e persistiu, como mencionei, ao longo do século 20. Teve seu Indian summer depois do colapso soviético.
Agora parece claro, entretanto, que o século 21 não será mais um século de domínio inconteste do Ocidente. Ao contrário, os sinais de declínio estão por toda parte. Em termos demográficos, econômicos, culturais, políticos. Os “declinistas” terão enfim razão? Há muitas indicações de que agora sim.
Cuidado, entretanto. De um modo geral, o declínio ocidental é relativo, não absoluto. Em algumas áreas, o declínio pode, sim, ser absoluto, por exemplo na cultural, onde o retrocesso parece acentuado. Mas o que ocorre de uma maneira geral é perda de peso relativo vis-à-vis do resto do mundo, em especial da Ásia emergente, a China à frente. O declínio é mais acentuado para a Europa, mas se sente também nos Estados Unidos.
A perda relativa não deixa de ser sentida como real, dolorosamente real. Afinal, o ser humano é tão deficiente, constituído de tão pobre e imperfeita maneira que chega a ver na ascensão do outro uma ameaça, um prejuízo para si. A mera ascensão pacífica já desencadeia os piores sentimentos e receios. No caso dos europeus e norte-americanos esse lamentável traço humano se vê agravado pelo hábito arraigado de dois séculos de predomínio global. Os brancos dos dois lados do Atlântico Norte não se acostumam, simplesmente não se acostumam a ver povos antes dominados –asiáticos, latino-americanos, africanos – querendo emergir, ser ouvidos e participar das decisões internacionais. Ainda que essas pretensões dos emergentes sejam modestas, cautelosas, até tímidas às vezes. Habituados a ditar, ensinar, pregar, os brancos não conseguem dialogar e negociar com o que para eles é uma massa ignara e até repugnante.
Mas a emergência dos outros povos vem de qualquer maneira, quer se queira quer não. Vai acontecendo em termos populacionais, econômicos e políticos. Aos ocidentais, resta conformar-se ou espernear. Até agora preferiram espernear. Mais do que espernear, infelizmente. Reagem com violência e provocações à inevitável formação de um mundo multipolar. Em última análise, são essas reações que explicam a guerra na Ucrânia e as tensões crescentes com a China. A mais recente provocação foi a visita de Nancy Pelosi a Taiwan.
O cenário que vai se configurando desde o início deste século é de um mundo multipolar, fragmentado, sem governança e regras aceitas globalmente. As entidades globais existentes, ONU, FMI, Banco Mundial, OMC etc., continuarão a ter sua importância, mas cominfluência declinante, tanto mais que os ocidentais se recusam a reformá-las para refletir plenamente a realidade do século 21. No lugar de ou em substituição parcial a essas instituições multilaterais de alcance mundial ou quase mundial, surgiram e surgirão instituições novas, criadas por países emergentes em busca de mais espaço no plano internacional.
E o Brasil nisso tudo? Bem. Superadas nossas desventuras recentes, temos muito a fazer, por nós e por outros países. Ao nosso imenso Brasil cabe, acredito, um papel especial: trazer ao mundo uma palavra de solidariedade, cooperação, paz e amor.
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