Beijinho, beijinho, por Luís Fernando Veríssimo

Na festa dos 36 anos da Paulinha, o seu marido, Yago fez um dircurdo memorável, foi muito aplaudido. Declarou que não trocava a Paulinha por duas de 18, sabiam por que? Porque Paulinha era as duas de 18. Tinha avitalidade, o frescor e o fervor sexual somado de duas adolescentes. No caminho de casa, depois da festa, o Mazinho comentou:
- Muito bonito o discurso do Yago.
- Não dou três meses para que se separem - disse a Nadir.
- O que, tem o que falar não?
- Marido, quando começa a elogiar muito a esposa...
Nadir deixou no ar todas as implicações da dubiedade masculina.
- Mas aparentemente eles estão cada vez mais apaixonados - pontou Mazinho.
- Perfeitamente, apaixonados demais. Lembra o que eu disse quando a Gerlene e Paulão começaram a andar de mãos dadas?
- É mesmo, lembro.
- Vinte e cinco anos de casados e de repente, não mais que de repente começam a andar de mãos dadas como namorados? Ali tinha coisa.
- Verdade.
- E não deu outra. Divórcio e litigioso.
- Você tem razão.
- E o Geraldo com a coitada da Maria? De um dia para outro? Beijinho, beijinho, "mulher formidável, maravilhosa" e descobriram que ele estava de caso com a gerente da loja dele.
- Então, você acha que o Yago tem outra?
- Ou outras, quem sabe?
Nem duas de 18, estavam fora de cogitação.
‒ Acho que você tem razão, Nadir. Nenhum homem faz uma declaração daquelas assim, sem outros motivos.
‒ Eu sei que tenho razão.
‒ Você tem sempre razão, Nadir.
‒ Sempre, não sei.
‒ Sempre. Você é inteligente, sensata, perspicaz e invariavelmente acerta na mosca. Você é uma mulher excepicional, Nadir. Durante algum tempo, só se ouviu, dentro do carro, o chiado dos pneus no asfalto. Aí Nadir perguntou:
‒ Quem é ela, Mazinho?"

Luís Fernando Veríssimo

(1936), um dos cronistas brasileiros mais famosos da contemporaneidade, é conhecido pelo humor que caracteriza seus textos. A crônica "Beijinho, beijinho", atravessada pela sátira e pela crítica social, é um bom exemplo do seu estilo.

Nela assistimos à conversa de um casal, Nair e Marinho, após um evento de amigos. O clima de romance entre Amaro e Clarinha vira fonte de intrigas e fofocas, suscitando desconfianças.

Falando com o marido, Nair revela que achou o comportamento exagerado e suspeito: elogiando a esposa assim, o outro deveria estar escondendo algo. Para provar a sua teoria, ela começa a citar vários casos de adultério que aconteceram no círculo de amigos deles.

O marido, convencido pela argumentação, começa a elogiar a sua perspicácia, fazendo com que Nair desconfie que está sendo traída também. Através de um tom cômico, o texto expressa uma visão cínica sobre o casamento e as relações duradouras.

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