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NEM ABSOLUTAS NEM VERDADEIRAS

por Carlos Chagas
A política vive de verdades absolutas que,  não  raro, demonstram-se nem tão absolutas e nem tão verdadeiras  assim.  Uma delas, que vem de décadas,   é de  as eleições  resolverem-se  prioritariamente com a propaganda eleitoral gratuita e obrigatória transmitida pelo rádio e a  televisão nos dois meses anteriores aos pleitos.

Em 1974 o então MDB venceu as eleições de senador, as únicas que restavam, em 16 dos 20 estados onde se realizaram. Logo a ditadura militar atribuiu a derrota ao fato de os candidatos oposicionistas terem utilizado as telinhas e os   microfones para denegrir o regime. Adveio daí a abominável “Lei Falcão”, que  proibia os candidatos de dizer a que vinham, autorizados apenas a dizer nome e número, como  prisioneiros de guerra. Hoje, passado tanto tempo, fica  claro que a vitória do MDB deveu-se ao esgotamento nacional diante da ditadura. Tanto que não foram os medalhões oposicionistas a disputar a única eleição  majoritária permitida, de senador. Apresentaram-se candidatos à época feitos  para perder: em São Paulo, não  Ulysses Guimarães,  mas Orestes Quércia, desconhecido prefeito de Campinas. Em  Minas, nada de Tancredo Neves, mas Itamar Franco, obscuro prefeito de Juiz de Fora. E assim por diante, numa reação popular ao arbítrio que trouxe ao centro do palco Paulo Brossard, Marcos Freire, Leite Chaves, Roberto  Saturnino,  Agenor Maria e outros.

Esse episódio serve para ilustrar a presença de outros fatores além dos  programas de propaganda gratuita pelo   rádio e  a televisão, que são  importantes, é claro, mas jamais decisivos ou exclusivos.   Até porque, a audiência de novelas e de jogos de futebol  costuma ser bem superior  à dos horários eleitorais obrigatórios, quando a metade do país desliga os  aparelhos  ou vai na cozinha tomar um cafezinho. A  menos que a apresentação de certos candidatos se torne tão hilariante a ponto de o telespectador ou o  ouvinte   aguardarem seu horário  como remédio para  desopilar  o fígado. 

Acresce que quando  faltarem   dois  meses  para as eleições, o número de indecisos capazes  de influenciar-se eletronicamente não será tão grande assim. A maioria do eleitorado, nessas ocasiões, já terá   se definido.  Sendo assim, será bom que nenhum candidato se iluda, quer dispute cadeiras no Congresso, nas Assembléias, os governos  estaduais ou a própria presidência da República: rádio e televisão ajudam,  mas não são absolutos nem  constituem o maior  indutor das decisões populares.  Muito  menos causa de grandes reviravoltas.

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A DÚVIDA DO SEGUNDO TURNO


Muita gente começa a apostar na vitória de Dilma Rousseff ainda no primeiro turno das eleições. Pode ser prematura a previsão, mas a verdade é que numa simulação para o segundo turno, a candidata conquistou 45% das preferências, contra 38% de José Serra.

Até agora, os partidos trabalham com a segunda votação, mas daqui para  outubro  muita coisa pode acontecer. No ninho dos tucanos aumenta o diapasão das críticas a Aécio Neves, que não aceitou compor a chapa do ex-governador de São Paulo. Seria uma aliança respeitável, envolvendo os dois maiores eleitorados do país. Há quem ainda espere uma reviravolta, como também aqueles que imaginam a chegada próxima dos Ets.

Argumenta-se ser o segundo turno uma nova eleição, o que parece correto. Como correta, da mesma forma, a impressão de que as urnas, quando começam a falar, não costumam mudar...

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HOJE, FUTEBOL


por Carlos Chagas

Não dá para resistir à tentação de,   por um dia,  trocar a política pelo futebol. Iniciativa até profilática, na medida em que determinadas observações sobre o que vai acontecendo nos gramados da África do Sul poderão servir de lição para o que se passa no Congresso, nos partidos e na sucessão presidencial.

Já reparou o leitor que pelo menos até agora estão se classificando os selecionados dos países da América Latina? México, Uruguai, Argentina, Paraguai, Brasil e Chile vão vencendo, ficando apenas Honduras no rol dos perdedores.

Por que? Pode ser que as próximas disputas venham a desmentir essa tentativa de interpretação, mas,   por quanto, porque os selecionados  referidos são puros. Puros? Sim, sendo todos os craques,  sem exceção, cidadãos das próprias nações, mesmo em maioria atuando em clubes estrangeiros.  Situação bem diferente de times como França, Inglaterra, Suíça,  Alemanha e outras, polvilhadas de jogadores naturalizados cidadãos dos países onde jogam. Não se trata de uma questão de raça nem de cor, mas apenas de raízes. O africano que disputa a copa com  camisa diferente daquela  de sua terra natal carece de  força interna capaz de fazê-lo empenhar-se no limite de sua resistência. Falta-lhe garra.  Aliás, esse raciocínio também deve valer para brasileiros bissextos que viraram portugueses, japoneses e  alemães por questões comerciais. Jamais se livrarão,  os que abandonaram sua cidadania natural, da pecha de mercenários. Pensarão primeiro na própria carreira, até com razão.

Outra observação a registrar situa-se nessa espécie de imperialismo europeu que tem prevalecido nas copas do mundo. Basta ver, nas eliminatórias travadas nos diversos continentes, o número de vagas oferecidas. Para a América do Sul, apenas quatro, mais uma da repescagem. Para a Europa, treze. Como esquecer que até uma ilha perdida entre a Dinamarca e a Suécia entrou na disputa? Sem falar que Gales e Escócia só não se classificaram, junto com a Inglaterra,  por fraqueza de seus times,  apesar de constituírem a  mesma pátria.  Está na hora de as Américas  reivindicarem mais espaço, assim como a África e até a Ásia. Ou, pelo menos, exigirem a redução dos espaços europeus. Afinal, o fato de terem inventado o futebol não os credencia ao exercício de nenhuma ditadura esportiva.

Quando presidente da Fifa, bem que João Havelange promoveu sensíveis mudanças, a começar pela inclusão da África na competição, mas não conseguiu vencer a organização do imperialismo europeu. Pode ser que o próximo presidente, em 2014, venha de algum país afastado do Velho Mundo.

Tem mais, como adendo. Há  países europeus, até mais de um, nos oito grupos que disputam a copa. Faltam latino-americanos em três.

Antes da partida final, não vamos cometer a ingenuidade de supor os europeus fora da conquista da taça. Falta muito jogo. Mas, ao menos até agora, qual o continente que mais se destaca? Por coincidência o mais prejudicado, apesar de estar  apresentando o melhor futebol.

Bem que alguns partidos políticos de nossa atualidade poderiam organizar-se para superar a prevalência do PMDB, por disporem de doutrina,  ideologia e  objetivos muito superiores à atual federação de interesses pessoais em que se transformou o maior partido nacional. Possível sempre será.

As próximas pesquisas


Aguarda-se com ansiedade a divulgação de mais pesquisas eleitorais. Os principais  institutos não se deixaram intimidar pela realização da copa do mundo de futebol e estão em campo para nova sondagem das tendências da população. Especular sobre os números, agora, além de perigoso pode ser fatal para o partido que o fizer.

Os tucanos jogam no recente programa de propaganda partidária gratuita encenado esta semana, com ênfase para o “Zé”. O candidato apareceu de corpo inteiro nos vinte minutos de performance,   em todas as telinhas, sem falar nas centenas de meteóricas inserções anteriores.

Já os companheiros acreditam no processo de ascensão de Dilma Rousseff, que de um dígito modesto foi galgando patamares até chegar ao empate com o adversário. Não iria parar agora, importando menos se cresce  pelos próprios méritos ou  pela presença maciça do presidente Lula na campanha.

Pesquisa não ganha eleição, reflete um momento da disputa, mas, salvo surpresa ou engano, haverá segundo turno.

O LULA E AS GREVES


Por Carlos Chagas
Ponto para o Lula. Em Manaus, esta semana, definiu o que deve ser a greve: uma guerra, não um período de férias. Para ele, o objetivo das paralisações é botar medo no governo ou no patrão, quer dizer, conquistar as reivindicações através da mobilização. Lembrou que nos seus tempos de sindicalista, no ABC, costumava reunir cem mil operários na rua, em manifestações permanentes, comícios e passeatas.

As coisas estão diferentes, hoje, acrescentou, porque os grevistas até  contratam pessoas para colar cartazes e levar faixas, exigindo o pagamento dos dias parados, uma aberração.

Poderia o Lula ter acrescentado que mesmo causando prejuízos para a população, greve não se faz contra o povo, especialmente as camadas menos favorecidas. Existem categorias impedidas até constitucionalmente de paralisar serviços públicos, obrigadas a manter um percentual de trabalhadores em suas funções. Tome-se os transportes coletivos, ônibus, metrô e trens. Quando param, sofre o cidadão que não tem carro. Ou o fornecimento de energia, atingindo hospitais. Para não falar na segurança pública, ou seja, nas greves de policiais. Podem ter razão ao exigir melhores salários e condições de trabalho, mas optaram por essas profissões sabendo das consequências da suspensão de  suas atividades.

A FARSA DA FUMAÇA


por Carlos Chagas
Ontem transcorreu o Dia Internacional contra o Fumo. Poderia, também, ser chamado de Dia Internacional da Farsa. O cigarro faz mal? Faz. Mata? Mata. Deve ser proibido? Deve.

Então por que não o proíbem, no mundo e no Brasil? Ficam  assustando a humanidade com os milhares de elementos tóxicos que os fumantes ingerem. Impõem imagens degradantes nos maços de cigarro e alertam para a iminência de  incontáveis doenças mortais.  Humilham e agridem  com proibições muito justas entremeadas de perseguições descabidas a quem fuma. 

Óbvio  que fumar em ambientes fechados onde existem não fumantes é um acinte. Mas torna-se  um exagero  obrigar quem fuma a ir parar na chuva quando seria natural a existência de locais bafejados  pelo  ar livre ou protegidos por   exaustores, os fumódromos.  Já se fumou nos aviões,  as empresas aéreas até   distribuíam cigarros. Uma evidente agressão aos passageiros. Só que proibir que o cidadão fume no próprio carro é demais.

Tudo,  no entanto, são subterfúgios. Farsas. Porque se é para acabar com o cigarro que mata, a solução única  seria proibir o funcionamento das fábricas de cigarro. Bem como o plantio e o cultivo do fumo. Não é o que dizem fazer com a coca e a papoula, mas não fazem, para evitar a cocaína, a heroína e agora  o craque?

Nessa hora falta coragem.  Porque como no caso das drogas,  a indústria do fumo  é poderosa. Paga impostos monumentais, além de contribuir para as campanhas de todos os candidatos, nos países democráticos.  Uma atividade que fatura e movimenta bilhões. É ela que mata, mas como pertence ao  sistema econômico-financeiro, continua liberada e até estimulada.

Poderíamos seguir no raciocínio. Deve-se combater e tentar acabar com o crime e com as guerras?  Por que, então, as nações desenvolvidas dispõem de amplíssimas indústrias bélicas? Fabricam-se armas grandes e pequenas como se fabricam   sardinhas em lata. Alguém  se preocupa em interromper a atividade do complexo industrial-militar?

Em todos esses casos,  além de faltar coragem, falta vergonha.

NÃO MUDA NADA NO CONGRESSO


Foram-se os tempos em que o PT imaginou poder tornar-se o maior partido nacional, em número de deputados e senadores. As eleições de 2002 deram aos companheiros essa ilusão, mas 2006 os fez cair na realidade e, este ano, virá a comprovação: o PMDB permanecerá com o controle da Câmara e do Senado.


Sendo assim, tanto faz para o  maior partido nacional o resultado das eleições presidenciais de outubro. Nem Dilma Rousseff nem José Serra conseguirão governar sem ele. 

É evidente que pela falta de um programa de governo, de uma ideologia ou de uma doutrina capazes de definir os rumos da nação, o PMDB  mais parece um corpo insosso, amorfo e inodoro que ocupa os espaços institucionais do país. 

Depois de ser o aríete responsável pela volta à democracia, transformou-se num conglomerado de interesses menores, até conflitantes, empenhados apenas em usufruir das benesses do poder. É pena, mas nada vai mudar em termos parlamentares, ou seja, o atraso continuará até que algum outro valor apareça e substitua a esperança fracassada  um dia expressa pelo PT.
Carlos Chagas

A MAIS BURRA DAS LEIS


Agora foi o PT a denunciar o DEM junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Semana passada aconteceu  o contrário, valendo incluir o PSDB nessa sucessão de acusações sobre  campanha eleitoral antecipada. Uma farsa, que a Justiça Eleitoral engole por conta de suas atribuições e de uma das leis mais burras de todos os tempos, aquela  que proíbe e tenta negar o óbvio. Alguém duvida de que José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva são candidatos? Por que, então, negar-lhes o  direito de fazer campanha?

Tanto a lei quanto a Justiça deveriam preocupar-se  exclusivamente com a utilização de dinheiro público na conquista de votos. A participação  da máquina administrativa pública, também.  Fora daí, o lógico seria a revogação da legislação e das regulamentações judiciárias que apenas demonstram o ridículo, porque impedir  candidatos de fazer campanha é impossível, tanto quanto limitar prazos para o seu início.   Obrigar os pretendentes a cargos eletivos  fingirem que não estão pedindo votos  chega a ser  hilariante.

Haveria outra solução, que seria  juízes e ministros dos tribunais não tomarem conhecimento das denúncias. Ignorarem solenemente as escaramuças  dos partidos. O que não dá é para  o país ficar  assistindo capítulos sucessivos dessa lamentável novela.
por Carlos Chagas

NOMEAR E DEMITIR


Lição de décadas atrás era ministrada por Tancredo Neves, Amaral Peixoto, Antônio Carlos Magalhães e outros catedráticos: “jamais nomear quem não se pode demitir”. Dá sempre confusão quando o chefe se vê envolto em  divergências com subordinados que se julgam intocáveis.  Aqui mesmo, lembram-se todos do  conflito quase  armado que envolveu o presidente Ernesto  Geisel e seu ministro do Exército, Silvio Frota.

Repete-se a situação nos Estados Unidos. O presidente Barack Obama nomeou sua ex-adversária Hillary Clinton para Secretária de Estado. Agora, divergem. Se foi Obama que sugeriu ao Lula celebrar acordo com os aiatolás, como Hillary sentiu-se  capaz de  desautorizar e  desmontar tudo, sobrando até desconsiderações para com o Brasil?

Teria o presidente dos Estados Unidos condições de admoestar e até demitir a candidata que derrotou na convenção do Partido Democrata? Seria atingido pelo desgaste? Pelo jeito, nomeou quem não pode demitir...

É CEDO PARA COMEMORAÇÕES


por Carlos Chagas
Com o retorno de Dilma Rousseff ao país, importante será verificar de que forma sua nova ascensão nas pesquisas irá refletir-se no comportamento do PT, do presidente Lula e da própria candidata. Dois meses atrás, quando Dilma começou a crescer, ingressando nos dois dígitos das preferências populares, vastas doses de empáfia e de soberba foram sorvidas no perigoso cálice da imaginação. O PT ficou embriagado  e passou a contestar as alianças  com o PMDB, exigindo deixar a condição subalterna em muitos estados, como Maranhão e  Minas. O partido não precisaria mais do respaldo amplo e irrestrito de seu maior parceiro.   Nem o presidente Lula escapou, quando maliciosamente sugeriu que o  PMDB apresentasse uma lista tríplice de candidatos à vice-presidência, em vez da imposição do nome de Michel Temer, com o  qual  tem diferenças.  Dilma manteve-se em silêncio, mas obviamente atrelada às opiniões de seu mestre.

O tempo passou e os índices de  José Serra voltaram a  afogar a pretensão dos companheiros e a própria má vontade do Lula diante do presidente da Câmara, que não passou recibo mas manteve o PMDB inflexível na indicação única, afinal tornada indiscutível e acatada.   Mas as crises estaduais permaneceram, levando o presidente a determinar à direção nacional  do PT que interviesse no Maranhão. Em Minas tudo indicava  acontecer a mesma coisa, se os petistas locais insistissem em contestar o casamento com Hélio Costa, do PMDB.

O problema é que os ponteiros dos institutos de pesquisa deram outra volta e, de novo favorecem a candidata, agora até superando José Serra ou mostrando empate técnico entre eles.  Sofrerão o PT, o Lula e Dilma novo surto de presunção eleitoral? A  febre da arrogância irá    atingi-los outra vez? É cedo para comemorações. 

A AGONIA DO NEOLIBERALISMO


Vale, por um dia, começar além da  política nacional,  arriscando  um mergulho lá fora. O que está acontecendo na França, onde montes de carros, escolas, hospitais e residências comuns estão sendo queimados e saqueados?    Qual a razão de multidões de jovens irem para as ruas, enfrentando a polícia e depredando tudo o que encontram pela frente?  Tornando impossível a vida do cidadão comum, não apenas em Paris, mas em muitas cidades francesas,  onde instaurou-se o caos. Por que?

É preciso  notar que o protesto vem das massas, começando pelas  massas excluídas,  de negros, árabes, turcos e demais  minorias que buscaram na Europa  a saída para a fome, a miséria e  a doença onde viviam,  mas frustraram-se,  cada vez mais segregados, humilhados e abandonados. Exatamente como em seus países de origem.

Não dá  mais para dizer que essa monumental  revolta é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado. O comunismo acabou. Saiu pelo ralo.  A causa do que vai ocorrendo repousa  precisamente no extremo   oposto: trata-se do resultado do neoliberalismo. Da consequência de um pérfido  modelo econômico e político que privilegia as elites e os ricos, países e pessoas, relegando  os demais ao desespero e à barbárie.

Fica evidente não se poder concordar com a violência que grassa na França.  Jamais justificá-la.  Mas explicá-la, é possível.  Povos de nações e até de  continentes largados ao embuste da livre concorrência, explorados pelos mais fortes,   tiveram como primeira opção emigrar para os países ricos. Encontrar emprego, trabalho ou  meio de sobrevivência. Invadiram a Europa como  invadem os Estados Unidos, onde o número de latino-americanos cresce a ponto de os candidatos a postos eletivos obrigarem-se a falar espanhol,  sob pena de derrota nas urnas.

Preparem-se os  neoliberais. Os protestos não demoram a atingir outras  nações   ricas.   Depois, atingirão os ricos das nações  pobres. O que fica impossível é empurrar por mais tempo com a barriga a  divisão do planeta entre inferno e paraíso, entre  cidadãos de primeira e de segunda classe. Segunda?   Última classe, diria o bom senso.

Como refrear a  multidão  de jovens sem esperança, também  de homens feitos e até de idosos,  relegados à situação  de  trogloditas em pleno século XXI?  Estabelecendo a ditadura, corolário mais do que certo do  neoliberalismo em agonia? Não   vai dar, à   medida em que a miséria se multiplica e a riqueza se acumula.  Explodirá tudo.

Fica difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil. Hoje, 55 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse  obsceno salário  mínimo de 300 reais. O governo Lula, eleito precisamente para mudar, manteve e até piorou a situação. Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários. Isso para quem consegue mantê-los, porque, apesar da propaganda oficial, o desemprego cresceu. São 18 milhões de desempregados em todo  o  país, ou seja, gente que já  trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha,  jovens que todos os anos entram no mercado sem nunca  ter trabalhado.

Alguns ingênuos imaginam que o bolsa-família e sucedâneos resolvem a questão, mas o assistencialismo só faz aumentar as diferenças de classe. É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico. São exemplos da exceção,  jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões  continuam na miséria. 

Seria bom o governo Lula olhar para a França. O rastilho pegou e não será a polícia francesa que vai  apagá-lo. Ainda que consiga,   reacenderá   maior   e mais forte pouco depois. Na Europa, nos Estados Unidos e sucedâneos.   Ainda  agora assistimos um furacão destruir Nova Orleans, com   os ricos e os remediados fugindo, mas com a população pobre, majoritária, submetida às intempéries, à morte e à revolta.  

A globalização  tem, pelo  menos, esse mérito: informa em tempo real ao  mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião. Os que nada tem a perder já eram maioria, só que agora estão  adquirindo  consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de "basta", "chega", "não dá mais para continuar".

Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução.  O passado não está aí para que o  neguemos, senão para que o integremos. O passado é o nosso maior tesouro, na medida em que   não  nos dirá o que fazer,  mas precisamente o contrário. O passado  nos dirá sempre o que evitar.

Evitar,   por exemplo, salvadores da pátria que de tempos em tempos aparecem como detentores das verdades absolutas, donos de todas a soluções e proprietários de todas as promessas. 
Carlos Chagas

UMA PLANTINHA TENRA



Terão seu registro negado os condenados por colegiados, leia-se, por tribunais, quer dizer, na segunda instância do Judiciário. Somarão 25% dos pretendentes às eleições de outubro, como supôs o senador Demóstenes Torres,  presidente da Comissão de Constituição e Justiça? Tomara que sim, mas não parece fácil. 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Ledwandowski, já declarou que a proibição vale para as condenações praticadas depois da promulgação da lei da ficha-limpa, ou seja, após o presidente Lula sancioná-la e em seguida à sua publicação no Diário Oficial.

Senão  uma ducha de água fria, ao menos um balde de decepção acaba de ser virado no plenário do Senado, interrompendo a euforia anterior. Mesmo assim, valeu a iniciativa parlamentar, iniciada numa subscrição popular e aprovada pela Câmara. O futuro Congresso deverá ser o último a apresentar  razoáveis percentuais de fichas-suja. Pode valer o mesmo para certos governos estaduais.


Otávio Mangabeira dizia ser a democracia uma plantinha tenra que devia ser regada todos os dias. Estava certo. Desde a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney que o país respira normalidade institucional,  uma constante desde 1985,  não obstante traumas variados. 

Muita gente imaginou a hipótese de uma ruptura, ironicamente gerada por excesso de democracia, ou seja, pela eleição de um operário que adquiriu tanta popularidade a ponto de ser sugerida sua continuação no poder. 

O terceiro  mandato do Lula equivaleria à implosão do processo, mesmo se fosse aprovada pelo Congresso. Coube ao próprio presidente cortar o mal pela raiz, lançando sua candidata e antecipando a campanha sucessória. 

Pelo jeito, agiu conscientemente, para desfazer ambições e ilusões imaginadas por companheiros. Mesmo sujeito a multas impostas pela Justiça Eleitoral, está de regador na mão.      

UMA VITÓRIA INEGÁVEL


por Carlos Chagas
Depois de estar perdendo no primeiro tempo, o presidente Lula virou o jogo e ganhou a partida, nas planícies do Irã. Se vai conquistar o campeonato, fica para depois, mas a vitória foi tão promissora quanto surpreendente.

O país dos aiatolás negou mas acabou aceitando fazer na Turquia a troca de combustível nuclear. Mandará 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento e receberá, no prazo máximo de um ano, 120 quilos  enriquecidos a 20%, sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica.

Resta saber se a comunidade das potências nucleares abandonará a postura de  má-vontade, aceitando o acordo capaz de evitar sanções econômicas já preparadas há meses. Em  uma semana o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidirá.

Indaga-se qual a tática utilizada pelo presidente brasileiro para dobrar a intransigência  do presidente Ahmadinejad. Não terá sido pela promessa de financiar um bilhão de euros para o Irã importar nossos alimentos.  Nem soja,  nem arroz, nem jaboticabas conseguiriam tanto. Mais provável é que o Lula tenha lembrado ao anfitrião  a sombra iminente  de uma conflagração que o Brasil não teria condições de evitar. De qualquer forma, registrou-se  sucesso onde o fracasso  parecia certo, depois de 18 horas de diálogo ininterrupto em Teerã, de  domingo para segunda-feira. 

Há quem desconfie que os iranianos conseguiram ganhar tempo,  persistindo  na intenção de fazer a sua bomba atômica, pois mantiveram a disposição de não aceitar que  suas usinas nucleares sejam fiscalizadas.

O episódio revela algumas novidades, além da evidência de que o Brasil entrou com sucesso nas negociações do clube das nações influentes do planeta. Não fosse a ação do presidente Lula e o impasse continuaria, próximo até de uma ação militar dos Estados Unidos  contra o Irã.

Mas tem mais. Ficou claro que a Turquia, aceitando enriquecer urânio iraniano,  também dispõe de condições para fazer sua bomba atômica, ainda que seu governo tenha assinado todos os tratados de não proliferação de  armas nucleares e não demonstre estar trabalhando em silêncio.

Também é óbvio que o Irã,  podendo dispor de 1.200 quilos de urânio para enviar à Turquia, terá muito mais do que o dobro em seus arsenais.

Outra conclusão a tirar refere-se à postura das potências nucleares:  continuarão arreganhando os dentes para o governo de Ahmadinejad, lembrando a fábula do lobo e do cordeiro, ou descobrirão que debaixo da pele deste permanecem garras e presas daquele?

Em suma, tratou-se do mais arriscado lance de nossa política externa, nas últimas décadas. Desde que o general Ernesto Geisel assinou o acordo nuclear com a Alemanha e rompeu tratados militares com os Estados Unidos que não se via coisa igual. E permanece, no fim das contas, aquela velha pergunta: se eles podem, porque não podemos nós?